Quase dois anos após tragédia no Litoral Norte de São Paulo, Lourdes, 64 anos, relembra os momentos de desespero
Por Maria Gabriela Oliveira
Em 19 de fevereiro de 2023, durante o feriado de carnaval, o município de São Sebastião (SP) foi atingido por um temporal que provocou deslizamento de terra e desmoronamento de casas, deixando pessoas desabrigadas e 64 mortos – também foi registrada uma morte em Ubatuba.
A região mais afetada pelo desastre foi a Vila Sahy, na Costa Sul do município. Inicialmente, era chamada de Vila Baiana, por ser ocupada por migrantes da Bahia e demais estados nordestinos, que estavam em busca de oportunidades de trabalho. Lá era onde residia Maria de Lourdes Camargo, de 64 anos, até a chegada da enchente. Conversamos com dona Lourdes, que relata a seguir o que vivenciou desta tragédia socioambiental.
Pode descrever o momento em que as chuvas começaram a afetar a sua casa?
M.L.: Eu morava na Vila Sahy. Era um fim de semana bom, com sol. Às 19h começou a chuva, então pensei “vou fazer um jantar rápido e vou dormir”. Com o tempo, a água começou a descer em uma intensidade muito grande e a parede do vizinho caiu.
Às 2h da manhã, os carros já estavam cobertos de lama. Às 3h30, 30 casas desmoronaram em cima da minha.
Como a senhora e sua família lidaram com a situação?
M.L.: Quando a água chegou na cintura, minha filha foi levada. Antes de ela cair na boca de lobo, eu a puxei e fomos carregadas por uma árvore e um carro.
Fomos resgatadas a 50 minutos de distância de nossa casa e com o barco de um amigo, fomos em busca de atendimento médico.
Ainda hoje, sinto medo de dormir quando chove. A maioria das pessoas que morreram estava dormindo.
Meu filho, Tiago, morava aqui comigo e era minha companhia, mas mudou de cidade após o ocorrido.
Para ele também foi um trauma gigante. Enfermeiro, precisou limpar os rostos das vítimas e fazer a identificação de pessoas que, em maioria, eram amigos e conhecidos de nossa família.
A senhora recebeu algum tipo de assistência ou apoio da comunidade?
M.L.: Recebemos coisas de todo o país, mas não cheguei a fazer uso das doações pois precisei ir para São Paulo me tratar. Meu pé, principalmente, ficou muito machucado, com tecidos internos à mostra.
Qual é a situação atual da sua família em relação a abrigo e apoio?
M.L.: Hoje eu moro na Baleia Verde, em um dos condomínios inaugurados pelo governador após a tragédia. Não pagamos pelo apartamento e até mesmo pessoas que não foram diretamente atingidas pelas chuvas estão abrigadas nesse condomínio. É um lugar muito bom, possui até apartamentos com acessibilidade para pessoas com deficiência e idosos.
A senhora conseguiu salvar algum bem ou lembrança importante?
M.L.: Eu era uma mulher que tinha tudo. Depois da tragédia, eu me vi sem ter uma calcinha para vestir. Não sobrou nada, foi preciso recomeçar do zero.
Lourdes foi apenas uma das vítimas do desastre. O ocorrido está prestes a completar dois anos e os sobreviventes ainda lutam para reconstruir suas vidas na cidade. “Em memória das 17 crianças, 22 mulheres e 25 homens vítimas da tragédia de São Sebastião.”