Animação dirigida por Juan Antín mostra uma cultura profundamente ligada à terra
Por Elisa Dias Carneiro
Os incas foram uma civilização pré-colombiana estabelecida ao longo da Cordilheira dos Andes, um império que se estendeu do Equador ao norte do Chile. Quando estudamos esse povo, vemos que sua grandeza se deu também pela avançada engenharia e arquitetura; depois, passamos rapidamente por dados rasos sobre a religião, a sociedade e chegamos, enfim, à invasão dos espanhóis que levou à destruição da civilização inca. Mas será mesmo que a história de um povo tão rico deve ser resumida a construções, sacrifícios e mortes?
A fim de uma exploração mais cuidadosa da cultura dos povos incas, surge a animação Pachamama, produzida por uma parceria entre França, Luxemburgo e Canadá e com distribuição pela Netflix.
Não, não há muitos latino-americanos envolvidos e nem dublagem ou legendas em espanhol, apesar de o filme se passar na região do Peru e a trilha sonora ser composta de instrumentos dos povos andinos, como a flauta de pan. Decepcionante? A princípio, mas a narrativa felizmente nos faz perder a indignação inicial para nos atentarmos a outros detalhes interessantes.
A animação mostra a história de Tepulpaï, um menino que sonha em ser xamã. Em sua pequena aldeia inca, ele busca uma conexão com o plano espiritual sem de fato conseguir compreender os valores de seu povo e de sua cultura, o que resulta na tentativa falha de virar um “Grande” sob os olhos da aldeia e de Pachamama.
Para os povos andinos, Pachamama é a representação da dependência e indissociação entre a Terra física, o mundo “de cima” (estrelas, sol, lua) e o mundo espiritual (dos mortos e ancestrais), além de ter uma ligação profunda com o tempo. Na versão didática da animação – a mais conhecida e difundida hoje – Pachamama é vista como um símbolo de fertilidade ou a própria Terra, aquela por quem somos nutridos e cuidados.
No filme, o culto a essa entidade na aldeia envolve a oferenda de parte da colheita anual como agradecimento, sendo outra parcela separada como pagamento ao “Grande Inca”, o imperador. Porém, o cobrador de impostos do império mostra que não cultua Pachamama, e sim o deus-sol Inti, do qual teria descendido o imperador.
Por isso, acaba confiscando, junto com toda a colheita, um objeto religioso de maior importância da aldeia, a Huaca. A partir daí, começa a jornada de Tepulpaï e Naïra (sua amiga) que, acompanhados pela lhama Lamita e por Kirkincho, um tatu-bola, seguem caminho até Cusco para recuperar o artefato.
Alguns espectadores podem achar inusitada a existência de um caminho marcado guiando as crianças até a capital inca, mas de fato essa civilização construiu estradas de pedra que ligavam as cidades e aldeias, principalmente porque os incas ocupavam cerca de 4 mil quilômetros da Cordilheira.
Essa extensão, inclusive, era a principal causa da difícil comunicação entre a capital e os povoados que se encontravam mais distantes, o que levou ao enfraquecimento interno do império. Foi justamente nesse momento que apareceram os “deuses de metal”.
Enquanto as crianças da aldeia tentavam negociar a Huaca com o imperador no Templo do Sol, Cusco foi invadida pelos espanhóis, que buscavam as riquezas minerais da região andina. Os colonizadores (ou ladrões, como Tepulpaï os chama) se puseram a roubar uma variedade de jóias e objetos sagrados – dentre os quais estava a Huaca – mas as crianças não desistem de protegê-la e fogem. Infelizmente isso acaba atraindo os novos inimigos para a aldeia.
É claro que, para manter o tom leve da narrativa, muitas informações acerca dos conflitos entre os povos andinos e os espanhóis foram omitidas, como a violência, os estupros e as mortes resultantes dos ataques do exército de Francisco Pizarro.
Porém, é interessante perceber a escolha dos roteiristas e do diretor de apresentar com clareza os colonizadores como ladrões e invasores, conferindo à animação um tom didático que vai além da conscientização ambiental já proposta pela entidade que dá nome ao filme.
Não contaremos o final dessa história, mas podemos dizer que o respeito à terra, o cuidado com o alimento e a gratidão pela vida simples – mas suficiente – concluem a mensagem deixada ao espectador no fim dos 71 minutos de filme.
Mesmo que a narrativa pareça carecer de drama, complexidade ou músicas performadas pelas personagens (bem ao estilo Disney), essa saga pela preservação da vida e da cultura têm um potencial educativo de uma riqueza totalmente necessária.
Edição: Nayara Delle Dono
Revisão: Anna Araia, Leonardo Scramin e Nayara Delle Dono