Bicicletas: inimigas do trânsito?

Melhoras na infraestrutura e a reeducação no trânsito são fundamentais para a aprovação da malha cicloviária


Ciclovia nos arredores do campus da Unesp em Bauru/SP (Foto: Lara Pires/Impacto Ambiental)

Por Jorge Salhani

Uma ida de bicicleta do Ginásio Panela de Pressão até a UNESP faz uma pessoa queimar, aproximadamente, 411 calorias e, além disso, poupa a atmosfera de ganhar quase dois quilogramas a mais de monóxido de carbono, quantidade que seria emitida se fizesse o mesmo caminho de carro. O trajeto de mais de nove quilômetros e meio conta, entretanto, com poucas ciclovias e ciclofaixas, além de avenidas onde o trânsito é intenso, dificultando o uso da bicicleta.

Ciclista em Bauru, a empresária Gleise Keller Assumpção utiliza frequentemente as ciclovias e ciclofaixas da cidade. Mesmo assim, ela relata que somente as já existentes não são o suficiente. “Na maioria das vezes, os motoristas não respeitam os ciclistas. Precisamos pedalar no asfalto, onde há carros buzinando e pessoas nos xingando”, conta Gleise.

A estudante de psicologia Raquel Pires, de 27 anos, não usufrui tanto assim das vias para bicicletas. O motivo? “As poucas ciclovias que temos não são interligadas, não conduzem aos bairros ou ao centro da cidade”, explica. Raquel comenta que em praticamente todos os lugares onde pedala não existem ciclovias ou ciclofaixas.


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A cidade de Bauru conta com 24,5 quilômetros de malha cicloviária, de acordo com a Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (EMDURB). Deste total, 10,9 quilômetros são constituídos por ciclovias, 6,3 são ciclofaixas de lazer e 7,3 são ciclofaixas de trabalho.

A EMDURB prevê projetos de ampliação destas faixas, mas ainda depende de maior planejamento em conjunto com as secretarias da cidade. No ano de 2013, a Prefeitura de Bauru possuía uma verba de R$700 mil destinada a ampliação de ciclovias e ciclofaixas, proveniente de uma outorga paga por uma empresa de ônibus. Entretanto, o dinheiro foi redirecionado para o subsídio do desconto da passagem de estudante no transporte público, que passou a ser 50%, relata o arquiteto e urbanista da empresa, João Felipe Lança.

Conforme mostra pesquisa sobre acidentes de trânsito do último Mapa da Violência, publicado pelo Instituto Avante Brasil em 2013, 286 ciclistas morreram em acidentes no Estado de São Paulo, 6% do total das mortes no trânsito. Em Bauru, entre de janeiro de 2012 e março de 2015, ocorreram 193 acidentes envolvendo ciclistas, segundo a EMDURB. Mesmo com esses dados, é difícil saber o número exato de acidentes, pois em muitos casos não são feitos boletins de ocorrência.

Mapa do sistema cicloviário de acordo com o Plano Diretor de Bauru/SP (Imagem: Reprodução)


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A cidade vista sobre pedais

Ver a cidade de cima de uma bicicleta e de dentro de um automóvel pode proporcionar experiências diferentes. Para a ciclista Raquel Pires, quando a pessoa está em um carro, ela não interage muito com o ambiente urbano. A bicicleta oferece uma maior apreciação das paisagens e conhecimento sobre a cidade por onde a pessoa está pedalando.

A professora de urbanismo Dra. Emília Falcão Pires utiliza como exemplo a ciclovia de Santos, no litoral paulista, que liga a cidade a São Vicente e Guarujá:“Ao sair do trabalho, as pessoas usufruem da paisagem marítima e do jardim e entram em contato direto com o ambiente”. Fazendo isso, as pessoas podem sentir o sol, a brisa marítima, a chuva e a temperatura, além de percorrer a cidade não tão rapidamente como se estivesse em um carro, podendo observar detalhes antes despercebidos.

Entretanto, o nível de ansiedade do ciclista pode aumentar ao se locomover de bicicleta em grandes cidades. Isso acontece, de acordo com a urbanista, pelo excesso de barulho e o estresse de compartilhar as faixas com automóveis. O ciclista ainda sofre com a questão da falta de segurança, pois “precisa ter o dobro da atenção em pontos onde carros fazem conversões ou cruzamentos para evitar a ocorrência de acidentes”, diz a estudante Raquel. O estresse e o barulho, porém, são elementos que compõem a identidade das cidades.

Em Bauru, os ciclistas devem prestar atenção no comportamento dos motoristas no trânsito. Tanto a urbanista Emília quanto as ciclistas Raquel e Gleise compartilham da mesma opinião: os motoristas da cidade não foram educados para conviver com as bicicletas. Raquel comenta que, além de não respeitarem a distância mínima entre o automóvel e a bicicleta, motoristas costumam passar em altas velocidades perto dos ciclistas, desestabilizando-os.

Para João Felipe Lança, arquiteto e urbanista da EMDURB, o motorista “sai da autoescola sabendo fazer rampa e baliza, mas não sabe como se portar frente a um ciclista ou pedestre”. Para ele, o motorista está acostumado a ver o ciclista como um agente que impede seu trânsito, mas que na verdade, muito contribui. Além de estabelecer uma harmonia com a cidade, o ciclista contribui para a qualidade de vida de todos, pois “ocupa um espaço viário menor, não polui e ainda melhora sua saúde e bem-estar”, comenta Lança.

Estudo obtido pelo jornal O Globo coloca o Brasil como o terceiro maior produtor de bicicletas no mundo mas como o 22º consumidor apenas. Isso reflete a falta de uma cultura ciclista não ser um problema somente de Bauru, mas nacional. Segundo estudo apresentado pela rede Bicicleta para Todos, no Brasil, menos de 5% dos trajetos realizados nos grandes centros foram feitos em bicicletas, número muito inferior às viagens de carros e motocicletas, correspondentes a 30,9%.

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(Foto: Lara Pires/Impacto Ambiental)

Os porquês da insatisfação

Nos últimos meses, a Prefeitura de São Paulo vem investindo na ampliação das ciclovias e ciclofaixas da cidade. A capital conta com mais de 337 quilômetros de malha cicloviária definitiva, de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Desta extensão, 262 quilômetros são ciclovias.

Apesar do grande investimento e alto índice de aprovação dos cidadãos, ainda há certo descontentamento. Entre os motivos estão a diminuição do espaço de passagem dos automóveis, a perda de vagas de estacionamento e a suposta falta de planejamento para a inserção dos trechos.

Entretanto, a perda de espaço para automóveis é uma ideia falsa, de acordo com João Felipe Lança. A redução do espaço viário dos automóveis não piora o trânsito, pois muitas pessoas que utilizariam os carros migram para as bicicletas, deixando o trânsito mais fluido.

A insatisfação dos paulistanos com as ciclovias não é um caso isolado. Em Nova Iorque, as faixas para bicicletas só começaram a ser aceitas seis anos após serem implantadas. Na França, o lado positivo das ciclovias e ciclofaixas de Paris só começou a ser visto depois de dez anos, comenta a Dra. Emília Falcão Pires.

Para Emília, mudar a estrutura de uma cidade demanda muito tempo, pois está totalmente voltada para os veículos automotores. Falta sinalização e infraestrutura adequada, como semáforos com tempo, bicicletários, espaços reservados em ônibus e rampas. Além disso, as ciclofaixas devem ser apenas uma pequena parte da malha de uma cidade, pois são adaptações à estrutura viária, utilizada por automóveis e motocicletas.

“Aumentar a segurança de quem pedala é uma boa medida, assim como a viabilização de ciclovias nos espaços e a diminuição da velocidade de automóveis em certos pontos”, comenta Raquel Pires. Se políticas voltadas para bicicletas não começarem a ser implantadas, “teremos um longo caminho a percorrer para que a cidade de Bauru possa ser considerada ‘amiga da bicicleta’”.

Texto: Jorge Salhani
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