Um dos principais biomas do estado é fundamental para a existência dos demais ecossistemas do país, mas ainda sofre com queimadas e desmatamento no Brasil
Por Isadora França, Gabriel Batista e Higino Diego Carvalho
Edição por Isabela Pitta
Em meio a queimadas e desmatamentos, um dos principais biomas do Brasil desenvolve um papel fundamental na manutenção do meio ambiente. Também conhecido como Pai das Águas, o cerrado do centro oeste e sudeste brasileiro conta com suas características únicas e aliados preciosos, como ONGs e Jardins Botânicos, para sobreviver e colaborar com o equilíbrio dos demais ecossistemas brasileiros.
Para grande parte da população mundial, e até mesmo para alguns brasileiros, quando pensam nas vegetações e paisagens naturais do Brasil, é comum vir à mente as altas árvores verdes e longos rios da floresta amazônica ou da vegetação que se estende próximo aos litorais brasileiros da mata atlântica. Mas, fora as paisagens famosas dos filmes de Hollywood e dos cartões postais, o Brasil possui outros ecossistemas dentro do seu território nacional.

Além dos mais famosos, como a Floresta Amazônica e Mata Atlântica, o solo brasileiro ainda possui biomas como Caatinga, Pampa, Pantanal e o Cerrado, que pode ser um dos mais importantes entre todos.
Uma das principais importâncias do Cerrado, não apenas para o Brasil, mas também para outros países da América do Sul, é o seu papel fundamental no nascimento, abastecimento e manutenção de vários rios no país. Conhecido como “Pai das Águas”, o Cerrado possui nascentes que alimentam oito das 12 bacias hidrográficas nacionais, como os rios São Francisco, Tocantins-Araguaia, Paraná e Paraguai.
Um dos motivos que transforma o Cerrado em um lugar tão propício para o nascimento de tantas nascentes importantes, são as características do seu solo e dos seus ricos aquíferos. O solo deste bioma tem grande capacidade de infiltração da água, como se fosse uma “esponja” para a água da chuva, que, de forma gradativa, abastece ainda mais os rios e lençóis freáticos. Vale destacar também que o Cerrado fica sob um dos maiores aquíferos do continente, que é o Aquífero Guarani.
O Cerrado, em todo o mundo, pode ser encontrado com exclusividade na América do Sul, mais especificamente nos territórios do Paraguai, Bolívia e, principalmente, do Brasil, que abriga mais de 80% de toda a existência do bioma no planeta.
De um ponto de vista técnico, o Cerrado não é um bioma, mas sim domínio fitogeográfico. O domínio fitogeográfico é o conjunto de biomas que possuem uma série de características em comum, porém cada uma das partes possui algumas propriedades de solo e vegetação próprias, como explica o doutor e biólogo Vagner Aparecido Cavarzere Júnior.

“Dentro desse domínio fitogeográfico existem vários biomas. O Cerrado pode ser classificado de acordo com esses tipos de vegetação. Dentro do Cerrado, a gente tem uma região arbustiva, ou campestre, com gradiente de formações vegetais que vai chegar até a floresta”, afirma o profissional. O biólogo explica que, dentro do domínio Cerrado, existem biomas como Campo Limpo, Campo Sujo, Cerrado Sentido Restrito e o Cerradão. Cada um dessas estruturas com suas próprias características, que vão desde campos mais abertos, com vegetação mais “escassa”, até matas mais densas e fechadas.
De acordo com Vagner, para muitos biólogos, o Cerrado é como uma “espécie” de savana, como a savana africana, porém com uma biodiversidade ainda maior. O cerrado seria a única savana do mundo que é considerado um “hotspot”. Para a geografia, “hotspot” são regiões específicas no globo que possuem uma biodiversidade excepcionalmente rica, mas que também sofrem com um alto grau de ameaças devido as atividades humanas.
Para ser considerado um hotspot, em teoria, a região deve ter tido pelo menos 70% da sua vegetação original atingida pelas ações humanas, como desmatamento, urbanização e agricultura. A partir disso, é possível falar de outra característica que diferencia o Cerrado, que é a sua resiliência a um dos principais “agentes” do desmatamento, o fogo.
Incêndios e queimadas são extremamente prejudiciais a vários biomas ao redor do mundo. No entanto, o “Pai das Águas”é capaz de ter uma resiliência maior ao fogo por causa de suas características. Algumas espécies de árvores naturais do Cerrado fogem da “anatomia” normal das plantas, que possuem raízes, caule e folhas, onde quando o caule – ou tronco para as árvores – é cortado, a árvore morre. Mas, para algumas espécies, essas regras são um pouco diferentes. Parte da vegetação possui um tipo de “caule subterrâneo”, que permite que a árvore cresça mesmo após a parte superior ser severamente prejudicada.
Assim, quando algumas queimadas mais superficiais acontecem, parte da camada verde superior pega fogo, algumas árvores e plantas continuam vivas sobre o solo da região devastada. Isso permite que essas áreas possam se regenerar de forma mais rápida que a dos demais biomas.
No entanto, é importante destacar que, mesmo que o Cerrado seja mais resiliente às chamas, as queimadas ou o desmatamento são um problema para o bioma. “Primeiro é que nós perdemos o resto da vegetação nativa que existia naquele local, sem falar que o pequeno proprietário perde a sua produção e que vários animais também perdem a vida. Todos os animais que não conseguem fugir do fogo ficam encurralados e acabam morrendo pelas chamas. Eu já conversei com pessoas que trabalham na brigado de incêndio, e todos eles falam que o mais deprimente não é o calor que eles passa, de ir no fronte contra o fogo, mas é quando a medida que eles vão apagando o fogo, os animais caem das árvores todos mortos e esturricados pelas chamas na frente deles”, comenta Vagner.
A GUERRA CONTRA AS QUEIMADAS E OS ALIADOS NESTA LUTA
Nos últimos anos, o Cerrado, como vários outros biomas, sofre com o aumento de queimadas no Brasil. Segundo dados do Monitor do Fogo, uma iniciativa da rede MapBiomas e coordenada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), de janeiro a outubro de 2024, estima-se que mais de 9 milhões de hectares sofreram com o fogo. Outro levantamento assustador é que segunda dados do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), entre os anos de 1985 e 2023, foi um total 88 milhões de hectares consumidos pelas chamas, área que equivale a 43% da extensão original do bioma e que supera o território de países como Chile e Turquia.
Diante desse cenário, o combate às queimadas e ao desmatamento, que ameaçam o Cerrado todos os anos, torna-se uma carência. É a partir dessa necessidade que surgem iniciativas como o Save Cerrado, uma ONG que atua na recuperação e preservação de áreas críticas do bioma.

Paulo Bellonia, fundador e presidente da ONG, comenta que ela foi fundada em 2018 e, desde então, o principal desafio que enfrenta é fazer com que as pessoas e as empresas apoiem a causa de forma efetiva e permaneçam no apoio à preservação do meio ambiente. “As pessoas e empresas sabem que esta crítica a situação das mudanças climáticas, mas não agem objetivamente para combater e divulgar iniciativas concretas como a da Save Cerrado”, explica Bellonia.
A Save Cerrado atua na região de Bonito de Minas, no estado de Minas Gerais, que fica dentro de um dos quatro principais corredores de biodiversidade e preservação do Cerrado brasileiro. Paulo explica que, nessa região, o lençol freático abaixa meio metro ao ano, o que é um reflexo direto do mau uso da água e do desmatamento do Cerrado.
Uma das principais estratégias da ONG na missão de arrecadar colaboradores para a preservação do Cerrado é através da Lei 14.119/2021 PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), que oferece compensações financeiras a pessoas e empresas que realizam serviços em prol do meio ambiente. Assim, a Save Cerrado, ao utilizar a lei como incentivo, permite que as pessoas e empresas “adotem” áreas que são divididas em módulos de 10.000 m2 (1 hectare) que são preservados pela ONG, e assim divulgam as ações positivas de apoiar e preservar a biodiversidade.
O ESCUDO DO CERRADO EM BAURU E REGIÃO
Além do mais conhecido Parque Zoológico Municipal de Bauru, que cuida e ensina a população sobre as espécies de animais, Bauru também possui o Jardim Botânico Municipal, que neste ano de 2024 completou 30 anos de existência. “O Jardim Botânico e o zoológico, eles fazem exatamente a mesma coisa. Exatamente o mesmo tipo de função, a única mudança é que o zoológico é para fauna e o Jardim Botânico é para flora. Os zoológicos cuidam de espécies de animais e os Jardim Botânico de espécies vegetais”, explica Vinicius Cardoso, biólogo formado pela Unesp Bauru que trabalha no Jardim Botânico como chefe da seção de programas educacionais do local.
Vinícius explica que a reserva também é um local de educação, onde escolas ou qualquer indivíduo da comunidade pode aprender sobre a natureza e educação ambiental. Ele conta que o local recebe por volta de 70 mil pessoas todos os anos.
“O Jardim Botânico tem esse aspecto, além da conservação das plantas, é um local para comunidade, um local para as escolas visitarem, um local para realizar pesquisas científicas, para conservar a flora e realizar atividades culturais para a comunidade. Mas é importante lembrar que tudo isso é feito visando a conservação. Então, tem a visitação pública, mas de acordo com a conservação. Você pode vir aqui visitar com a família, mas tem que respeitar a conservação. Você pode trazer a sua escola, mas sempre respeitando a conservação”, afirma o biólogo.
O profissional conta que o Jardim Botânico de Bauru possui um diferencial para os outros Jardins Botânicos. Isso se dá pelo fato dele estar dentro de uma reserva de 320 hectares de mata nativa original, ou seja, é a mesma vegetação da época da colonização portuguesa. No entanto, grande parte dessa vegetação nativa original trata do próprio Cerrado do interior do estado de São Paulo.
Segundo o biólogo, aproximadamente 90% do Jardim Botânico é formado por Cerrado, enquanto os outros 10% são fragmentos de Mata Atlântica. No meio da própria trilha de caminhada que existe dentro da reserva, os olhos de um botânico experiente podem notar a vegetação da trilha ir de Cerradão para uma Floresta Estacional da Mata Atlântica.
Vinícius comenta que o Jardim Botânico de Bauru é membro da Aliança Brasileira de Jardins Botânicos, que é uma organização formada por várias reservas de preservação do país. Por sua vez, a Aliança Brasileira compõe o Botanic Conservation Internacional (BGCI), que é uma instituição internacional de conservação de plantas ao redor do mundo.
“O BGCI apoia jardins botânicos em todo o mundo. Podem ser jardins botânicos em desenvolvimento, jardins botânicos já estabelecidos, realizam projetos. Faz pelo menos dois anos que nós participamos, e já tem ajudado bastante a gente desde então. Como se conservam plantas no mundo? Eles têm um protocolo que você tem que seguir e que ensina a como fazer isso e criar um jardim botânico. Não basta apenas construir um jardinzinho com flores, tem uma série de requisitos para seguir”, explica o botânico.
O biólogo afirma os cuidados que o Jardim Botânico possui com a conservação de cada planta. Vinícius explica que, como o Zoológico de Bauru, que conta tanto com animais naturais do Brasil, como o lobo-guará e onça pintada por exemplo, a animais mais exóticos, como tigre ou camelo, o Jardim Botânico também possui plantas nativas e de fora do país. Cada uma delas recebe cuidados próprios para a conservação.
Além do cuidado especial com cada espécie, a conservação que o Jardim Botânico oferece para o Cerrado da região chega até as esferas públicas e legislativas. Segundo Vinícius, em 2018, a área que o Jardim Botânico de Bauru ocupava foi transformada em unidade de conservação, que pode servir como uma espécie de escudo para a área do Cerrado local. “Por que isso é importante? Vamos supor que apareça um político ou um empresário aqui… ‘Ah, vamos construir um shopping nesse local’. Não pode. É uma área de conservação. É conhecida também como RVS, ou Refúgio da Vida Selvagem. A partir do momento que você estabelece que é uma área de conservação, você não pode mexer em nada. Legalmente falando”, afirma o profissional.
Além do Jardim Botânico, existem outras duas áreas de conservação nas proximidades. Uma parte pertence ao Instituto Lauro de Souza Lima, voltado para pesquisa e tratamento de doenças de pele, e a outra área pertence ao Campus da Unesp Bauru. As três áreas juntas possuem uma área de 800 hectares, em que, mesmo sendo de três “proprietários” diferentes, todas são apenas uma única mata, que há anos preserva, não apenas o Cerrado da região, mas um dos principais biomas brasileiros.