Secas prolongadas, calor intenso e a disseminação do ‘greening’ desafiam produtores e mudam o sabor da laranja brasileira, que tem se tornado cada vez mais azeda
Considerado o maior produtor de laranjas do mundo, o Brasil também lidera as exportações de suco da fruta, tanto na forma integral quanto na concentrada. Porém, apesar da posição de destaque, os pomares brasileiros sofrem com a falta de chuva e com a proliferação do greening, uma doença antiga, mas ainda sem controle eficiente.
O calor intenso e a baixa pluviosidade têm prejudicado a produção de laranjas no país. Esse estresse térmico interfere na fase de floração dos citros, impedindo o desenvolvimento completo dos frutos, que acabam sendo abortados pela planta. Quando as temperaturas ultrapassam 37ºC ou caem abaixo de 12ºC, o impacto se intensifica, comprometendo ainda mais a produtividade e a qualidade das frutas.
Os boletins publicados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – CEPEA Esalq/USP em outubro revelaram que a principal preocupação do setor é que, diante do baixo volume de chuva e das temperaturas elevadas, a safra da primeira florada do próximo ano seja prejudicada, visto que o regime de chuvas e o período de seca no inverno variaram entre as regiões produtoras.
De acordo com o meteorologista Thiago Guerreiro Ferreira, do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet/Unesp) de Bauru, esse comportamento pode estar relacionado a padrões atmosféricos regionais e globais, como a atuação de massas de ar seco e quente e a ocorrência de bloqueios atmosféricos.
Ele explica que as massas de ar seco e quente são grandes porções de ar com baixa umidade e altas temperaturas, o que dificulta a formação de nuvens e, consequentemente, de chuvas. Já os bloqueios atmosféricos acontecem quando sistemas de alta pressão permanecem estacionados por longos períodos sobre uma região, dificultando a chegada de frentes frias e mantendo o tempo quente e seco por mais tempo do que o habitual.
A média das temperaturas máximas no Centro-Oeste paulista, uma das principais regiões citrícolas do país, indica um padrão consistente de aquecimento. Em Bauru, por exemplo, os meses de janeiro, fevereiro, março, maio e setembro registraram valores acima da média, evidenciando a ocorrência mais frequente de episódios de calor severo, mesmo em períodos tradicionalmente mais moderados, como o mês de maio.
Temperaturas e precipitações médias em Bauru

Greening: a ameaça mais prejudicial aos pomares
Além do fator climático, os laranjais também são afetados pelo greening. A doença é causada por uma bactéria transmitida pelo psilídeo Diaphorina citri, um inseto de coloração branco-acinzentada, com manchas escuras nas asas, bastante comum nos pomares durante os períodos de brotação. O inseto adquire a bactéria ao se alimentar de plantas doentes e, ao se deslocar para plantas saudáveis, a transmite, permitindo que a doença se espalhe rapidamente pelos pés de laranja.
Arthur Tomaseto, engenheiro agrônomo do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) e responsável pelo monitoramento do psilídeo na região de Limeira, no interior de São Paulo, destaca que o greening é atualmente a doença mais prejudicial aos pés de laranja, justamente porque não tem cura e ainda não existe um método bem-sucedido de controle.
“Hoje não existe nada economicamente viável que possa ser aplicado no campo para curar a planta. Não há remédio para essa doença. Uma vez que a planta apresenta os sintomas, a produção vai caindo ano após ano. Uma muda nova, por exemplo, com até três anos, muitas vezes nem chega a produzir”, afirma.
O agrônomo detalha que os primeiros sinais da doença aparecem em alguns ramos e folhas do pé. Inicialmente, o verde escuro característico da folhagem dá lugar a áreas de coloração mais amarelada. Com o tempo, essa alteração se espalha pela planta, e as folhas passam a apresentar um aspecto manchado: de um lado, surgem várias marcas amarelas, mas, ao observar o verso da folha, percebe-se que elas não se comunicam. Além disso, os frutos caem com mais facilidade.
A combinação desses fatores reduz o rendimento das frutas, que produzem menos suco e apresentam tamanho e peso inferiores, além de sabor mais azedo e aguado.
“A diferença é tão perceptível que, mesmo ao misturar, por exemplo, quatro frutos sadios e apenas um doente, o amargor da doença ainda sobressai”, enfatiza Tomazeto.
Sabor, preço e ajustes na produção de suco de laranja
O consumidor tem percebido mudanças no sabor das laranjas. Além disso, quem costuma tomar suco de laranja no café da manhã tem notado um aumento gradual no preço da bebida, reflexo direto das oscilações na produção e nos custos das safras.
Variação mensal do preço pago pela indústria pela caixa de laranja em dois anos

Embora as embalagens de suco indiquem que o sabor pode variar conforme a safra, a indústria tem recorrido a diferentes estratégias para equilibrar custos e oferta. De acordo com Andrés Padilla, analista do mercado de suco de laranja do Rabobank, os engarrafadores vêm apostando em formulações que usem menos laranja, por exemplo, adicionando suco de maçã, além da diluição com água para a produção de néctares e da redução no tamanho dos recipientes.
Além dessas alterações, algumas marcas recorrem à adição de aditivos e conservantes sintéticos para realçar o sabor e manter a aparência da bebida, tentando disfarçar os efeitos de safras de qualidade inferior. Essas práticas, embora comuns, levantam debates sobre a qualidade e a naturalidade dos sucos disponíveis no mercado.
Safra de suco de laranja registra queda histórica
Os efeitos das alterações climáticas e da propagação do greening são refletidos para toda a cadeia produtiva, principalmente no mercado de exportação. De acordo com informações divulgadas pela Secretaria de Comércio Exterior e compiladas pela Associação Nacional de Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), na safra 2024/2025 o volume de suco de laranja exportado atingiu o menor patamar desde o início da série histórica, em 1997. Foram embarcadas 745.593 toneladas, uma queda de 21,7% em relação às 952.295 toneladas registradas na safra passada.
Segundo a CitrusBR, a safra 2025/2026 começou com exportações de suco de laranja em ritmo mais lento, mantendo a tendência de queda. No primeiro trimestre da temporada, entre julho e setembro, o Brasil embarcou 189,2 mil toneladas de suco de laranja concentrado, 4,4% a menos do que no mesmo período da safra anterior. Em termos de receita, o recuo foi ainda maior: 17,6%, totalizando US$ 713,6 milhões, consequência do aumento da oferta no mercado.
Exportações brasileiras de suco de laranja concentrado nos últimos 12 meses

Inovações e controle na produção de laranjas
Diante do adoecimento dos pés de laranja, os citricultores ampliaram as áreas de cultivo em busca de solos mais adequados ao desenvolvimento das frutas. Com essa expansão geográfica, o cinturão citrícola passou a abranger novas regiões em Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e no Distrito Federal.
O planejamento dessas novas áreas é guiado pelo mapeamento realizado pela Embrapa por meio do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc). Essa ferramenta fornece dados detalhados sobre os riscos climáticos e potenciais perdas na produção, permitindo que os produtores tomem decisões mais seguras e estratégicas.
Novo mapeamento do Cinturão Citrícola

Além do crescimento da área de cultivo, os produtores têm adotado alternativas sustentáveis para o manejo do greening, como o uso do caulim processado, um silicato de alumínio em pó que, ao ser misturado à água e pulverizado, forma uma camada protetora esbranquiçada sobre folhas e frutos. Essa película atua como uma espécie de camuflagem, dificultando que o inseto localize e se alimente da planta, reduzindo a incidência da doença nas plantações.
Paralelamente, o estado de São Paulo, que concentra a maior parte do parque citrícola, proibiu o cultivo da murta (Murraya paniculata), também conhecida como dama-da-noite. Assim como as laranjeiras, essa planta serve de hospedeira ao inseto transmissor do greening, e a medida busca reduzir a propagação da doença nas regiões produtoras.
Em relação ao volume de chuvas, o coordenador da Pesquisa de Estimativa de Safra do Fundecitrus, Vinicius Trombin, explica que apenas cerca de 45% dos pomares adultos do cinturão citrícola possuem dispositivos de irrigação. Assim, a maior parte da produção ainda depende diretamente das precipitações ao longo do ano.
Aluno: Matheus Santos da Silva / Orientadora: Liliane de Lucena Ito / FAAC Unesp Bauru



