Em ano de COP30, biomassa é uma das soluções para a transição energética

Ligada ao setor agrícola, a bioenergia tem papel importante no processo de descarbonização

Por Beatriz Fulas Apolari e Lucas Rubim De Mello

“O Brasil é reconhecido internacionalmente como o líder da transição energética”. A afirmação convicta é do secretário Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, Pietro Mendes, durante evento que inaugurou a cobertura da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). O papel do Brasil na liderança desse setor também foi reforçado por Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia (MME), que nomeou um documento oficial do Ministério como “Brasil, Líder Mundial da Transição Energética”.

Em ano de COP30, o Brasil mais do que nunca se posiciona como expoente das fontes de energia renováveis. Pode parecer exagero o peso da coroa de líder, mas dados do Balanço Energético Nacional (BEN) de 2025 comprovam que 88% da energia gerada no país é produzida a partir de fontes renováveis. Esses índices representam o dobro da média global, que é de 41%, de acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável.

Imagem: Pixabay

A biomassa é uma das principais fontes renováveis de eletricidade presentes na matriz elétrica brasileira. A nomenclatura engloba a combustão de matéria orgânica que, muitas vezes, seria descartada. O principal material orgânico utilizado na queima é o bagaço de cana-de-açúcar, que foi responsável por gerar 16,7% da oferta de energia total do país em 2024 considerando a produção de etanol, de acordo com o BEN. Entre as demais matérias-primas utilizadas há os resíduos sólidos urbanos, lenha e o licor negro, um subproduto gerado na fabricação de papel e celulose.

A produção de energia elétrica a partir da biomassa acontece por meio da queima do material orgânico em uma caldeira, gerando o vapor que alimenta uma turbina, a qual produz a energia, como é ilustrado no esquema:

Imagem: UNICA

Essa fonte energética é um grande expoente da descarbonização, uma das metas do governo brasileiro para a transição energética. Em processos como esse, o saldo de liberação de gás carbônico (CO2), que compõe a classe dos gases responsáveis pelo efeito estufa, é nulo. Isso acontece porque o carbono emitido na queima do bagaço de cana será novamente capturado durante o crescimento da cana-de-açúcar, a partir do processo da fotossíntese, como mostra a imagem a seguir:

Imagem: Filotipo

A biomassa também representa uma solução energética para tempos de seca, que derrubam os níveis das hidrelétricas. Como a safra da cana, principal matéria-prima, ocorre entre os meses de maio a novembro, período de poucas chuvas, a queima da biomassa pode ser tida como complementar à geração das hidrelétricas.

O setor de bioenergia canavieira também é importante para o Brasil como um todo. Alexandre Silveira, ministro do MME, explica:

“A cadeia produtiva da cana-de-açúcar gera empregos diretos e indiretos, movimentando a economia e trazendo riqueza ao país. É um insumo de extrema importância para o nosso povo, e deve ajudar o Brasil a promover mudanças em direção à transição energética justa e inclusiva, que é uma de nossas prioridades”.

Biomassa em números

Nos termos de geração de energia, a biomassa se posiciona como a quarta modalidade que mais contribuiu para a matriz energética do Brasil em 2024. Segundo dados do Balanço Energético Nacional, foram produzidos 37.411 GWh por queima de bagaço e palha advindos da cana-de-açúcar. Isso representa, aproximadamente, a energia consumida anualmente na Dinamarca.

No panorama nacional, o estado de São Paulo domina a produção de energia a partir do bagaço da cana. Em 2024 ele foi responsável por gerar 18.741 GWh, o que representa cerca de 50% de toda a produção do país e é o suficiente para abastecer uma cidade de aproximadamente 7 milhões de habitantes durante um ano (considerando um consumo médio de 2600 kwh por habitante).

Depois de São Paulo também destacam-se os estados de Minas Gerais e Goiás, com 5.308 e 3.664 GWh, respectivamente.

Os estados em cor cinza do infográfico não apresentam produção no setor, o que indica uma possibilidade de expansão desse tipo de geração energética.

Entre os setores que mais consomem a energia gerada a partir da biomassa, temos uma grande parcela da indústria, seguida dos transportes, como mostrado no gráfico abaixo.

Por dentro das usinas

A produção de eletricidade para consumo próprio é muito comum em usinas de açúcar e álcool. Muitas chegam a ser autossuficientes, ou seja, independem de fontes externas de energia. Fernando Alonso Oliveira, engenheiro agrônomo e representante do Grupo Econômico Balbo, expõe que a utilização da biomassa para geração de energia interna sempre ocorreu no setor, entretanto denota que a evolução tecnológica dos equipamentos passou a permitir que fosse produzido um excedente de energia passível de ser comercializada.

O Grupo Balbo foi pioneiro nesse quesito. Tradicional do ramo açucareiro, uma das usinas da empresa, a São Francisco, foi a primeira a interligar o sistema de produção elétrica interna com concessionárias de energia para fins de mercado, em 1987.

Fernando explica que essa prática de venda de energia é muito difundida entre as usinas, que estão investindo em tecnologias para ampliar a capacidade de geração elétrica. Ele explica que esse aprimoramento pode ser muito benéfico: “Uma usina consegue produzir três vezes a energia que ela precisa, então consome um terço e comercializa dois terços”, estima.

A comercialização ocorre por meio do Mercado Livre de Energia, regulamentado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Lá, a energia pode ser vendida para qualquer agente do mercado, porém a compra pelas distribuidoras só pode ser feita em leilões regulados.

Entre os desafios para a venda da energia, Márcio Cominho, coordenador de gestão de qualidade do Grupo Balbo, relata que todo o dinheiro aplicado para construir as linhas de transmissão para a rede foi do próprio grupo.

Entretanto, apesar dos eventuais gastos, esse modelo de negócio pode ser vantajoso já que possui um percentual de 50% de desconto no fio. “Então ela vale de 25 a 30 reais a mais que uma energia convencional”. Mas esse desconto corre o risco de acabar, “eles (o Estado) querem interromper esse desconto, porque alguém vai pagar a conta”, aponta Márcio.

O especialista também explica que para medir a eficiência da produção de energia, é utilizada a medida de kilowatt-hora por tonelada de cana, e que as usinas controladas pelo grupo produzem cerca de 360 GWh por safra, o suficiente para abastecer uma cidade de cerca de 130 mil habitantes durante um ano.

Solução para o futuro?

A biomassa é considerada uma agroenergia, ou seja, uma fonte energética advinda da atividade agrícola. O potencial de crescimento e investimento nessa produção energética é enorme, visto que o Brasil possui cerca 61 milhões de hectares destinados à agricultura, conforme relatório do MapBiomas. Além disso, resíduos advindos da pecuária, como dejetos de animais, também podem ser aproveitados para bioqueima. O agronegócio sozinho gerou mais de 233 bilhões de reais para a economia brasileira no primeiro trimestre de 2025, representando 7,74% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Os números são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Junto ao sucesso da economia agroindustrial e pecuária no Brasil, a biomassa também ganha espaço para se desenvolver. Lucas Rodrigues, representante do setor econômico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA), explica que a produção energética é ligada ao investimento privado, e tem o Estado como “árbitro” e responsável por instaurar uma regulamentação que é “essencial para destravar negociações e dar segurança jurídica para com o setor privado de forma geral”.

Lucas também conta que existe uma “capilaridade de novos mercados” sendo aprimorados pelo agronegócio, uma vez que outras matérias-primas para geração de energia estão sendo exploradas. “Quais matérias primas são boas candidatas? Eu acho que, de forma geral, o milho é uma boa opção, já que é mais resistente a um clima seco e se configura como uma cultura de ciclo curto”, afirma.

O especialista ainda expõe a opinião de que a biomassa muitas vezes não possui tanta visibilidade quanto outras fontes energéticas, mesmo sendo uma solução consolidada. “Tem um certo charme nessas outras por ser algo mais atual, então elas passam a impressão de que são algo mais avançado, mas o etanol está aí tem mais de 100 anos”, relata.

Para ele, “a biomassa é comprovada enquanto as outras ainda estão se provando”, porém os números não têm apontado nessa direção. Márcio, do Grupo Balbo, também afirmou que “nossa participação da biomassa nos leilões vem caindo, justamente porque o governo está querendo, nesse momento, priorizar a solar e as eólicas”, disse.

É justamente para dar mais visibilidade ao setor da biomassa que a UNICA vai marcar presença na COP30, de acordo com Camila Matos, gerente de comunicação da associação. “A nossa grande missão enquanto representante setorial é mostrar para outros mercados globais que a bioenergia é uma solução pronta para a descarbonização e transição energética.

Em meio a discussão sobre a importância da transição energética, a biomassa é a aposta do agronegócio para uma matriz energética sustentável e consolidada. Lucas Rodrigues finaliza:

“A bioenergia tem um papel fundamental para ocupar dentro do processo de descarbonização mundial e no Brasil”.

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