Mortes e décadas de conflito expõem deficiência de políticas indígenas
Foto: (CC BY-SA) Percurso da Cultura/Flickr |
Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas.”
Este trecho faz parte da carta assinada pelos Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay (terra indígena tradicionalmente ocupada no Mato Grosso do Sul) que veio a público em 8 de outubro de 2012 e expôs as feridas causadas pelos constantes conflitos entre fazendeiros e indígenas na região.
A carta repercutiu como um alerta de suicídio coletivo e houve amplo apoio aos Kaiowá. Em Brasília, estudantes fizeram manifestações e, por todo Brasil, autoridades se manifestaram em apoio aos índios.
Estudantes em manifestação em apoio aos Guarani- Kaiowá em 2012 (Foto: Elza Fiúza/Abr) |
O Apoio nas Redes Sociais
As redes sociais, como o Facebook, também se tornaram ferramenta de apoio aos índios nas áreas de conflito e muitos usuários passaram a adotar “Guarani-Kaiowá” como sobrenome.
O Facebook, com as crescentes alterações de nomes, proibiu a mudança. A campanha, amplamente aderida por não indígenas levantou a questão: quem são os Guarani-Kaiowá? No infográfico-interativo abaixo você pode conhecê-los um pouco melhor.
Mas por que tantos conflitos?
Sem falar do processo de colonização, a luta dos indígenas por terras se arrasta há décadas. E desde meados do século XX tem se intensificado. Isso por conta do crescimento populacional indígena, do avanço da agropecuária sobre estas terras e a expansão urbana de cidades próximas.
Este ano, os conflitos entre indígenas e fazendeiros voltaram a tomar as manchetes dos jornais do país. Dessa vez no município de Caarapó/MS por uma ação de retomada de parte da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I.
Durante os conflitos, Clodiode Rodriques de Souza, agente de saúde indígena, foi assassinado na fazenda de Yvu, na área de Passo Toro que faz parte de Amambaipeguá I.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) divulgou, no dia 14 de junho, uma nota dizendo que lamenta a morte de Clodiode e que acredita no diálogo e respeito mútuo para solucionar os problemas entre fazendeiros e produtores rurais na região.
Violência e burocracia dificultam soluções
Um dos grandes impasses nos conflitos é o processo de demarcação de Terras Indígenas que muitas vezes agregam fazendas e áreas agropecuárias, como no caso da fazenda de Yvu.
No vídeo produzido pela TV Carta maior em fevereiro de 2012 os Kaiowá relatam o sofrimento causado pela falta de regulamentação fundiária e constantes confrontos com produtores rurais:
Através de sua assessoria de imprensa, A FUNAI explicou ao Impacto que a regularização da região está em andamento desde 2007 e que a área de conflito não chegou à fase final do processo.
Segundo o Estatuto do Índio o direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional é definido como um direito originário. Por isso, o procedimento formal que regulariza esses territórios não “cria” a terra indígena, mas sim reconhece e define seus limites a partir de requisitos técnicos e legais.
Protesto em frente ao Planalto contra o retrocesso na política de demarcação em maio de 2016 (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil) |
A Funai afirma, ainda, que “vem trabalhando para concluir os estudos necessários à identificação e delimitação de todas as áreas do Cone Sul do estado, mas vem esbarrando em dificuldades administrativas devido à escassez orçamentária e de recursos humanos da instituição e, também, nas atitudes de intimidação aos servidores do órgão”.
Leia também:
Sawré Muybu: uma terra que não é nossa
Como funcionam as políticas de proteção ao povo e à cultura indígena