Em meio à COP30, às mudanças no sistema alimentar evidenciam que transformar o prato dos brasileiros requer ações integradas e políticas duradouras.
Durante a 30ª Conferência das Partes (COP30) – que acontece de 10 a 21 de novembro de 2025 em Belém do Pará, no coração da Amazônia – muitos assuntos ganham atenção especial mediante as metas e objetivos estipulados pelos países, mais conhecidos como ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Dentre os 17 assuntos tratados, o segundo em foco chama atenção, “Fome Zero” tem o intuito de “Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 6,48 milhões de pessoas são atingidas pela fome, o menor número em 20 anos, mas ainda sim, uma ferida aberta e sem previsão de cura total. A proporção maior se encontra nas famílias do Norte e Nordeste, sendo a primeira região a anfitriã da COP30, realizada em Belém, no Pará.
Não apenas este número é alto, em uma pesquisa de 2023 do NUPENS/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo), mostrou que houve um crescimento de 5,5% no consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil, ao mesmo tempo que, esses alimentos são mais baratos e acessíveis do que in natura, orgânicos ou minimamente processados. Esse aumento não apenas impacta a saúde dos brasileiros, mas coloca em xeque as decisões políticas e seus rumos, visto que a meta de acabar com a fome tem sido alcançada oferecendo à população alimentos de baixa qualidade nutricional. Iniciativas como o PAAS (Promoção da Alimentação Adequada e Saudável) tem como enfoque o fortalecimento de uma alimentação saudável e sustentável como um direito público e esbarra em empecilhos como a falta de políticas públicas contínuas, as desigualdade no acesso aos alimentos e as pressões econômicas das indústrias alimentícias.

Nutrição e educação como mudança
Para a educadora física e nutricionista Verônica Moura Rodrighero “A alimentação saudável vai além da satisfação das necessidades biológicas, e está reconhecida em documentos nacionais e internacionais”, comenta a também formada em Técnica em Dietética e Nutrição. “O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) implica que todas as pessoas devem ter acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, seguros, culturalmente apropriados e produzidos de forma social, econômica e ambientalmente sustentável, para uma vida digna, ativa e saudável”, ressalta.
A produção desses alimentos também está diretamente relacionada ao meio ambiente, e a sustentabilidade precisa estar na base das discussões. Sabe-se que a agricultura brasileira é baseada em larga escala no campo, o que causa efeitos diretos e indiretos na fauna e flora, assim como o esgotamento do solo. “Uma alimentação saudável e sustentável, prioriza alimentos de origem local e/ou sazonal, in natura e minimamente processados. A produção, o transporte e o consumo de alimentos, refletem os estados da saúde humana e a conservação da biodiversidade. A orientação e decisão de boas escolhas alimentares, promovem práticas que atingem o impacto ambiental e bem estar da população”, explica Verônica.
Ao mudar o enfoque, percebe-se que a situação é mais complexa do que o apresentado, pois, em meio ao evento criado para cumprir metas de um mundo melhor, foi aceito um documento do setor do agronegócio baseado em mentiras sobre a fome e a produção sustentável de alimentos. O relatório “Agricultura tropical sustentável. Cultivando soluções para alimentos, energia e clima”, assinado por organizações do setor, como o Fórum Brasileiro de Agricultura Tropical, baseou-se em premissas falsas, como a total transição da produção em larga escala para um modelo sustentável, a omissão sobre o desmatamento provocado pelo agronegócio e a distorção acerca do uso de agrotóxicos nos campos.
Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária mostram que, em 2024, 663 agrotóxicos e defensivos agrícolas foram autorizados para uso, um número histórico que coloca o país como o maior consumidor dessas substâncias no mundo, ultrapassando China e Estados Unidos. “Embora tenha ampliado a oferta e reduzindo o custo de alguns produtos, esse sistema contribui para a uniformização alimentar, o aumento do consumo de produtos ultraprocessados, a exposição contínua a resíduos de agrotóxicos e aditivos químicos, gerando simultaneamente a perpetuação da insegurança alimentar e a degradação dos ecossistemas”, relata a educadora física sobre os impactos disso na sociedade.
Analisando o outro lado da balança, pessoas mais pobres e mais jovens são as mais afetadas, visto que a maior parte da pouca renda que ganham é destinada à compra de alimentos, e os mais baratos são os mais prejudiciais. Frutas e vegetais são trocados por macarrão instantâneo, bolachas recheadas, refrigerantes e embutidos, alimentos de rápido consumo, prontos e de menor valor. Sabendo de todos esses fatores, como falar sobre nutrição e alimentação saudável sem cair no discurso moralista ou elitista?
“Falar sobre alimentação saudável exige ética e sensibilidade social. É preciso reconhecer que as práticas alimentares são influenciadas por fatores econômicos, culturais e estruturais”, conta Verônica. “É fundamental promover o diálogo, adotar uma linguagem acessível e livre de julgamentos, priorizando o respeito à diversidade cultural e aos saberes populares. A promoção da alimentação saudável se torna um ato educativo e emancipador, que integra saúde, equidade social e sustentabilidade”, acrescenta.
A alimentação também é social
Para Kailainy Vicentini, uma jovem profissional de relações públicas, uma alimentação saudável e sustentável vai além de comida, mas também de ralação interpessoal : “Entendo de frutas, legumes e verduras da estação, como os preços vão estar a depender da oferta e demanda, qualidade que realmente valha a pena o gasto”. Vinda de Dracena, cidade no interior da cidade de São Paulo e com base no setor agropecuário, ela possui contato direto com o agronegócio por conta da profissão de seu pai, engenheiro agrônomo, e acredita que feirinhas populares, assim como o conhecimento sobre o consumo de alimentos, seja um dos caminhos para diminuir as barreiras entre jovens e a boa alimentação.
Kailainy também discorreu sobre os preços dos alimentos, para ela, as proteínas e os alimentos naturais são os que mais pesam em suas compras. “No caso das proteínas, pelo preço integral, mesmo optando pelas promoções de alimentos naturais e hortifrúti, é difícil comprar a quantidade necessária para atingir as porções diárias”, comenta a jovem sobre as próprias experiências.

Acerca disso, Verônica explica que a educação nutricional é peça fundamental para a população e um direito público,caminhando lado a lado com a sustentabilidade na escolha do cotidiano alimentar. “A educação alimentar e nutricional (EAN) é uma das ferramentas mais eficazes para combater a desinformação. Ela constitui uma das principais estratégias nesse processo, pois promove o desenvolvimento do senso crítico e a capacidade de interpretar informações sobre alimentação, favorecendo escolhas mais conscientes e saudáveis”, ressalta.
Assim, o estabelecimento de políticas públicas que incentivem o consumo de alimentos in natura e/ou minimamente processados, o fortalecimento da agricultura familiar e a valorização da culinária tradicional constituem algumas ferramentas para melhorar a qualidade de vida da população brasileira. “Essas ações proporcionam às pessoas autonomia para interpretar rótulos, reconhecer ultraprocessados e fazer escolhas alimentares mais conscientes”, conclui. Cabe, agora, ao Estado fiscalizar e colocar em prática esse direito público, em vez de se limitar a discursos polidos em conferências.
