A urgência de uma cultura oceânica

Professora e pesquisadora da Unesp de São Vicente descreve a importância da sensibilização ambiental junto às comunidades costeiras para a proteção dos oceanos

Reprodução da matéria de 09/11/2023, escrita para o jornal-laboratório Contexto do Curso de Jornalismo da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC), da Unesp de Bauru. Seu objetivo é servir de apoio ao ensino do Jornalismo, numa combinação necessária entre teoria e prática.

Professor Orientador: Prof. Dr. Mauro de Souza Ventura
Editora-Chefe: Profa. Me. Érika Alfaro de Araújo
Disciplinas: “Apuração Jornalística” e “Jornalismo Textual”

Por Samara Meneses

Aos poucos, os debates quanto aos desequilíbrios climáticos têm avançado e se destacado como preocupação global atual. No contexto oceânico, em 2023, foram registrados os maiores índices de aumento de temperatura de todos os tempos: 20,96°C de acordo com o Copernicus Climate Change Service (C3S), serviço de informação climática da União Europeia.

A alteração drástica de temperatura nos oceanos pode resultar em diversos fatores catastróficos para a vida costeira, exercendo forte influência na circulação de correntes marítimas, que interferem diretamente no regime de chuvas e tempestades.

Anomalias na temperatura da superfície do mar no fim de Julho – Foto: NYT / Arte O Globo

A docente do programa de pós-graduação em Biodiversidade de ecossistemas da Unesp – Câmpus Litoral Paulista – Débora Freitas, acredita que os ciclos naturais de aquecimento e resfriamento do planeta estão sofrendo, cada vez mais, interferências antrópicas. Com o maior desenvolvimento urbano, aumentam os lançamentos de gases na atmosfera que desestabilizam os ciclos naturais de temperatura.

“Na verdade isso deveria estar acontecendo de uma forma natural, mas estamos interferindo e acelerando mais”, explica.

A pesquisadora destaca que estamos em ano de El Ninõ, um fenômeno climático natural caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico na sua porção equatorial. Contudo, nunca foram registrados níveis tão altos de calor, com registros acima de 40°C em várias partes do território brasileiro.

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertou, em setembro, que o fenômeno pode se estender até abril de 2024, trazendo ondas de calor cada vez mais rigorosas. “Aumento de tempestades, calor, ressacas e todos os processos que já tínhamos naturalmente, estão sendo intensificados”, afirma Débora.

Chuvas fortes causam estrago no Rio Grande do Sul, na cidade de Passo Fundo em 4 de setembro de 2023 | Crédito: RAFAEL DALBOSCO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Consequências a longo prazo

A biodiversidade aquática já está sendo afetada pela instabilidade de temperatura, culminando em seus deslocamentos e desaparecimentos. Consequentemente, Débora acredita que as comunidades humanas precisarão se adaptar em questões de consumo e recursos.

“Diversas espécies de peixes, por exemplo, que consumimos acabam sofrendo com esse processo e consequentemente acabam em extinção. Isso interfere em várias questões, não apenas de cadeia alimentar como também de interação”, explica.

No início de setembro do ano passado, o Ministério do Meio Ambiente incluiu o surubim na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção — Foto: Reprodução/Redes sociais

Ainda neste ano, de acordo com uma agência do governo australiano, foi registrado o branqueamento de corais em 91% dos recifes da grande barreira de corais australiana. “Tem acontecido de uma forma bastante severa há algumas décadas, principalmente por conta do aumento da temperatura das águas”, diz a professora.

O fenômeno ocorre devido a expulsão ou perda de pigmento das algas zooxantelas, que vivem em associação mutualística com os corais. “Com o aumento da temperatura elas morrem e para de existir essa relação”, explica Débora. “Não somos os únicos a perder um ecossistema importante, porque existem várias espécies marinhas que dependem dos corais e influenciam em todo o padrão de circulação daquela região”.

Corais tem um importante papel nos oceanos | Foto: reprodução

Além dos abalos à biodiversidade, os impactos econômicos serão, cada vez mais, sentidos pelas comunidades costeiras. “Locais como a grande barreira de corais na Austrália são ícones na questão de biodiversidade, movimentando milhões de reais. Então a indústria do turismo também vai sofrer muito”, fala a pesquisadora.

Corais embranquecidos na ilha Heron, Austrália (Foto: Richard Vevers/The Ocean Agency/Catlin Seaview Survey)

Cultura oceânica

Dentre os desafios em promover conscientização nas comunidades costeiras, ressalta-se a falta de medidas de planejamento público para essas regiões. Débora explica que a Baixada Santista enfrenta grandes problemas de habitação e saneamento básico: “Ainda enfrentamos muitas dificuldades nas ocupações irregulares de palafitas”.

Imagem: Reprodução do documentário ‘Arte no Dique’

Com as políticas públicas, ainda é necessário o incentivo à educação populacional. “Precisa educar a população para que saibam da existência desses problemas”, explica a oceanógrafa. “Estamos fazendo a década dos oceanos internacionalmente, justamente para chamar e conscientizar a população a nível mundial de que os oceanos são indispensáveis para vida na terra”.

A década do oceano foi declarada em 2017, pelas Nações Unidas e será realizada no período de 2021 a 2030. Os objetivos incluem a unificação global em atingir todas as prioridades da agenda 2030, relacionadas aos oceanos, em benefício da humanidade.

Entre as prioridades da década oceânica, surgem projetos como “Escolas Azuis”, que busca desenvolver o pensamento crítico e engajar o currículo escolar na cultura oceânica, incentivando ações de conscientização entre os estudantes.

“Trazer a cultura oceânica nos currículos escolares, já está em andamento na cidade de São Vicente, também onde fica a sede da UNESP. É importante trazer esse contexto, já que muitas vezes aprendemos tanto sobre questões da Amazônia, que são fundamentais, mas não conhecemos a praia que está aqui na nossa frente”, enfatiza Débora.

“Nosso oceano é uma tarefa de todos” – Júlia Andrade, 10 anos, estudante de Santos convidada para o programa Ciência Cidadã em outubro de 2022 | Créditos: Prefeitura de Santos

O que ainda pode ser feito

Em um cenário de ebulição global, serão cada vez mais necessárias novas formas de adaptação. Como pesquisadora, Débora acredita que a partir de agora todas as ações possíveis de atenuação devem partir dos humanos, com políticas públicas que possam repercutir na proteção dos recursos aquáticos.

“A gente precisa agir e agir rápido, estamos em um processo em que algumas coisas já estão irreversíveis. O que podemos fazer é minimizar, mas eu sou bastante positiva e acredito que estamos bem melhor em termos de conhecimento de novas ações do que antes”, ressalta a oceanógrafa.

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