Como a humanização dos indígenas por meio da fotografia salvou milhares de vidas
Por Elisa Dias Carneiro
“Quando eu vejo o trabalho da Claudia, para além da beleza que ele tem, eu vejo coragem e suor”. Assim começa a fala de Ailton Krenak sobre a exposição de Claudia Andujar no Instituto Moreira Salles (IMS) em 2019. Em uma hora, o escritor, filósofo e líder indígena discorreu sobre alguns temas interessantes e peculiares: a ditadura, o acesso (ou a falta dele) às aldeias, os Xapiri (espíritos da floresta), estradas, empatia e ativismo. Essa mistura de fatores é o resumo da vida da fotógrafa.
Claudia nasceu na Suíça, cresceu na Hungria e se mudou para os Estados Unidos, mas só se sentiu em casa no Brasil. Fugida da Segunda Guerra Mundial, presenciou a morte de grande parte da sua família por conta do regime nazista. No pós-guerra, Andujar sentia que a tristeza e o medo sentidos durante aquele período nunca mais voltariam. Porém, isso muda quando ela conhece os Yanomami.
Sua vida de fotojornalista começou quase que por acaso. Suas fotos eram um meio de se expressar e alguns canais de comunicação viram ali um potencial interessante. Esse caminho levou Claudia a trabalhar por um tempo para a revista Realidade, que, inclusive, promoveu seu primeiro contato com os povos que viviam na Floresta Amazônica.
O primeiro contato
Claudia foi enviada pela revista para cobrir uma publicação especial sobre a Amazônia. A empresa pediu que ela não fotografasse as populações indígenas por receio da censura da ditadura (essa edição saiu em 1971), mas a fotógrafa foi contra o pedido. No fim das contas, os editores utilizaram suas fotos – inclusive na capa – e Claudia decidiu que não iria mais trabalhar como fotojornalista. Ela queria aprofundar seus conhecimentos e seu contato com os índios. Para isso escolheu o povo Yanomami.
Os primeiros contatos foram complicados. Não havia acesso fácil para as aldeias, a população não falava português e Claudia não sabia qualquer palavra da língua local indígena. Porém, decidida como estava, ela continuou com muita paciência e empatia. Suas primeiras fotos aconteceram em Roraima, na região do Catrimani; representavam a vida cotidiana dos Yanomami e alguns rituais xamânicos.
Enquanto isso, era colocado em prática o Plano Nacional de Integração (PIN), instituído pelo presidente Emílio Médici e que visava a integração do Brasil por meio da construção de estradas e da povoação dos lugares por onde elas passassem. Naquela época, a Amazônia era vista como uma “terra a ser ocupada”, principalmente por ser um possível alvo de invasão por estrangeiros (aqui, incluem-se também os próprios povos nativos).
A construção dessas estradas, principalmente da Transamazônica e da Perimetral Norte, resultou em inúmeras mortes da população indígena. Houve desmatamento de áreas próximas às aldeias, o que comprometeu a biodiversidade e o estilo de vida daqueles povos; os operários trouxeram doenças e o governo não se preocupou em vacinar a população nativa ou em dar qualquer suporte de saúde; as estradas, além de tudo, abriram um caminho fácil para os garimpeiros.
Muitos problemas vieram, como prostituição, violência, mendigagem, abandono das plantações e da caça. Ao todo, mais de 8 mil índios morreram.
Em meio a essa situação, Claudia, junto a dois amigos, criou a Comissão Pró-Yanomami (CCPY) e começou a denunciar os crimes cometidos contra os povos com quem ela vivia. É aí também que começa a luta pela demarcação da Terra Indígena Yanomami (TIY). A Fundação Nacional do Índio (Funai) chegou a expulsá-la da aldeia onde estava, porém Claudia conseguiu voltar um ano depois com outros planos.
Tornou-se ativista, começou a estabelecer planos de saúde, organizou protestos e sua fotografia passou a ter um caráter de denúncia. Junto a Davi Kopenawa Yanomami, xamã e líder indígena, Claudia passou a lutar contra o genocídio desses povos e a expôr os problemas enfrentados para quem quisesse ouvir.
Uma de suas exposições gerou impacto nacional: aconteceu em 1989 e foi denominada “Genocídio do Yanomami: morte do Brasil”.
Em 1992, depois de muita pressão internacional e de inúmeras denúncias feitas pela CCPY em embaixadas internacionais e na Organização das Nações Unidas (ONU), o governo de Fernando Collor reconheceu e homologou as TIY. Hoje, a terra dos Yanomami corresponde a 96.650km² da floresta tropical brasileira.
Entretanto, a demarcação não impede as invasões. Elas continuam acontecendo: estima-se que, atualmente, existam cerca de 20 mil garimpeiros nessas terras.
Quando Claudia começou a fotografar os Yanomami, eles lhe perguntaram qual era a finalidade de suas fotos. A intenção era fazer um livro para que as pessoas pudessem conhecer os povos indígenas e, assim, talvez criar empatia e respeito por sua cultura e seu povo. Hoje, sabemos que essa busca ainda não terminou. Com 89 anos, Claudia continua a lutar pela vida do povo Yanomami pois essa constitui, também, a sua vida.
Edição: Maria Eduarda Vieira
Revisão: João Mateus Macruz e Maria Eduarda Vieira