Virunga

Luta pela preservação do santuário dos gorilas é uma metáfora pra situação da exploração da África

Créditos: Divulgação Netflix

Logo quando começam a subir os créditos, você logo tem certeza de vai ser impossível esquecer Virunga (2014). Com um misto de tristeza, raiva e consternação, o documentário traz à tona — em suas pouco mais de uma e quarenta de duração —  o que há de mais sombrio na alma humana. Ganância, avareza, sede por poder e preconceito aparecem na tela em uma frequência assustadora. Todas essas características contrastam com a pureza e inocência dos gorilas-das-montanhas residentes do parque.
Localizado na República Democrática do Congo — longe da capital Kinshasa e colado na fronteira com Uganda — o Parque Nacional Virunga é uma área de preservação ambiental com aproximadamente cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Embora seja lar de espécies de elefantes, búfalos e hipopótamos, os gorilas são o grande destaque do lugar, mais especificamente, a espécie dos gorilas-das-montanhas. Eles são extremamente raros e estão na lista dos animais em risco crítico de extinção. Atualmente existem menos de 900 espécimes.
É justamente a preservação desses primatas que motiva a guarda do parque a seguir lutando pela preservação do, quase centenário, Parque Virunga. Mesmo que seja um trabalho perigoso — mais de 130 guardas já foram mortos — e que diversos interesses externos surjam como empecilhos.

Um dos países mais ricos do mundo em recursos naturais e biodiversidade, a história do Congo segue o mesmo roteiro da de tantos outros países africanos. 

Estabelecido na Conferência de Berlim, em 1884, como território pessoal do Rei Leopoldo II da Bélgica, o Congo teve suas riquezas saqueadas e viveu uma era de terror. Sedento por extrair tudo o que pudesse da região, Leopoldo II conduziu um regime cruel, no qual assassinatos e mutilações de membros eram práticas comuns. Tais brutalidades culminaram em um genocídio da população local que, de acordo com estimativas, chegou a 10 milhões de pessoas.
Todo esse contexto histórico do país é exposto logo no início do documentário, já que ele é fundamental para o entendimento de todas as questões que circundam a luta pela preservação do parque.
Com a anuência do governo congolês, a petroleira inglesa SOCO obteve a licença para explorar uma área do parque em que supostamente haveria petróleo. Tal movimentação destruiria uma boa parte do Virunga e poderia selar de vez a extinção dos gorilas-das-montanhas.
Nesse contexto, diversos grupos de guerrilhas surgem para oferecer seus serviços à SOCO, a fim de desarticular a reserva ambiental e receber sua parte das riquezas escondidas nesta área. Chegando, inclusive, a promover uma chacina de gorilas a fim de abrir caminho para a petrolífera. Porém, o mais surpreendente são os próprios cidadãos congoleses residentes da região que, movidos por suborno da empresa, ajudam nesse movimento.
No entanto, a palavra “riqueza” é interpretada de modo totalmente leviano por esses agentes. Ao tentar extrair o petróleo e os minerais valiosos do parque, eles não hesitam em destruir todas as riquezas vegetais, animais e históricas do local.
Além disso, a mentalidade racista do europeu colonizador aparece de forma explícita nas falas de funcionários da petrolífera. Tanto na voz do francês que afirma que a melhor solução seria recolonizar esses países, por estes não terem maturidade para se administrar sozinhos. Quanto pelo inglês, que define a mentalidade dos congoleses como primitiva e defende que não há problema que os mesmos sejam mortos em prol da prosperidade do negócio.
Toda essa investigação mostrada no documentário ocorreu graças ao trabalho da jornalista francesa Melaine Gouby e da equipe de guardas do parque. Trabalhando no Congo em 2012, Gouby se viu no meio a uma guerra civil e percebeu que não era apenas uma coincidência ocorrerem ataques ao Parque Nacional de Virunga durante este conflito.

“Você tem que justificar a sua existência neste planeta. Os gorilas justificam a minha presença. Eles são minha vida. Se precisar dar a vida, eu vou morrer pelos gorilas “

Cuidador dos gorilas orfãos, Andre Bauma protagoniza os momentos mais tenros do longa. Suas interações com os primatas são, talvez, os únicos momentos em que é possível respirar tranquilamente em meio ao caos e ao clima de guerra.
Em dado momento, onde o conflito entre as guerrilhas e governo estava prestes a chegar às fronteiras do parque, ele escolhe ficar junto dos primata, a fim de tranquilizá-los. Para explicar o ato, que poderia custar a sua vida, ele afirma que cada um precisa justificar sua presença na terra e o que justificava a presença dele eram esses gorilas.
Essa frase, embora singela, nos remete a diversos momentos do documentário. E se um inevitável sentimento de indignação surgir ao final da história, junto a um ímpeto de agir e ajudar de alguma forma. Devemos nos perguntar: o que justifica nossa presença na terra?

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