O que você, elas/es, a sociedade e o meio ambiente ganham com isso
Foto: Isabella Holouka |
A Agricultura Familiar tem um papel decisivo na cadeia produtiva que abastece os supermercados, mercados, hortifrutis e feiras livres brasileiros, pois está voltada para o mercado interno e local. Trata-se do cultivo realizado em pequenas propriedades rurais, cuja principal mão de obra tem como base o núcleo familiar.
O investimento na Agricultura Familiar representa uma oportunidade de distribuição de renda e riquezas mais justa e igualitária no Brasil. A sua produção de alimentos é mais saudável e adequada com a questão socioambiental. De acordo com a professora e pesquisadora em nutrição, agroecologia e desenvolvimento rural sustentável, Rozane Marcia Triches, “historicamente, verifica-se que o modelo agrícola centrado no latifúndio, nas monoculturas e nos pacotes tecnológicos que difundem a utilização maciça de insumos, agrotóxicos e transgênicos, tem trazido vários problemas ambientais, sociais e de saúde. Por isso, preza-se por uma distribuição mais equânime de terras, maior diversificação de plantios, melhor utilização dos recursos naturais e uma relação de mais respeito com a natureza”.
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Ao contrário do modelo latifundiário citado pela professora, a produção agrícola familiar favorece o emprego de práticas de produção que são mais equilibradas ecologicamente e mais naturais.
Através da diversificação de cultivos, ou rotação de culturas, as/os produtoras/es garantem a diversidade de alimentos e ainda podem melhorar as características físicas, químicas e biológicas do solo – se a adotarem corretamente e durante o tempo recomendado. Estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostram que a alternância de cultivos também auxilia no controle de plantas daninhas, doenças e pragas, repõe matéria orgânica e protege o solo da ação dos agentes climáticos.
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Para a professora e pesquisadora em agroecologia e políticas públicas para a agricultura familiar, Nádia Caldas, reduzir ou extinguir o uso de agrotóxicos, aditivos e pesticidas e barrar a produção de alimentos trangênicos é uma das grandes dificuldades na produção agrícola brasileira, principalmente por conta da influência de grandes empresas: “A Monsanto e a Syngenta são as grandes multinacionais que governam o agronegócio mundial e brasileiro, razão pela qual, não lhes interessa que exista um consumidor bem informado, capaz de barrar a entrada de transgênicos, bem como o crescente volume de herbicidas altamente contaminantes atrelados a este sistema de produção”, disse ela.
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Apesar do trágico cenário apontado pela professora, estudos realizados em 2012 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que 90% da produção de alimentos orgânicos no Brasil tem origem na agricultura familiar, o que mostra que apostar na produção das/os pequenas/os proprietárias/os rurais é a melhor alternativa para a produção de alimentos cada vez mais adequados ambientalmente e nutricionalmente no país.
Políticas Públicas
A Agricultura Familiar é reconhecida pelas políticas públicas federais desde a década de 1990. Desde então, algumas medidas como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF), seguros agrícola, de custeio e de comercialização, como o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, entre outros projetos, foram criados especificamente para atender ao produtor familiar rural.
Embora a criação dessas medidas possam ser consideradas um avanço, esse incentivo ainda parece pequeno se comparado àquele destinado ao agronegócio brasileiro. Para Nádia, “a situação [do incentivo] é paradoxal, porque boa parte de nossa alimentação é produzida pela agricultura familiar, sem contar o fato de que ela é responsável por absorver 14 milhões de pessoas (74% do total) do agro brasileiro”.
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Nas escolas…
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criado na década de 1950, voltou-se para a agricultura familiar em 2009, com um artigo que definiu que “do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), no âmbito do PNAE, no mínimo 30% deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas” (Lei n° 11.947/2009 – Art. 14).
A decisão parece ter dois pontos positivos: Por um lado, está a mudança nos hábitos alimentares das crianças, com a inclusão de alimentos frescos e a consequente redução do consumo de alimentos industrializados, que contém altas quantidades de conservantes, açúcares e sódio e são prejudiciais à saúde. Além disso, ao invés de favorecer fabricantes e produtores industriais ou grandes latifundiários, a lei privilegia as/os produtoras/es agrícolas locais e regionais.
No entanto, de acordo com Soraya de Gois Brito, diretora do Departamento de Alimentação Escolar em Bauru, o município compra produtos da agricultura familiar há alguns anos, mas de cidades distantes e até de outros estados. Ela conta que “a dificuldade é conseguir comprar das/os agricultoras/es do município e da região pela falta de estrutura organizacional e operacional para se executar um contrato”.
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Para Eduardo Muniz Carrasco, membro da Você Social – Orgânicos de Bauru, uma organização de produção de orgânicos, iniciativas como essa representam a oportunidade de beneficiar a/o pequena/o produtor/a rural, mas a chance é desperdiçada, pois os órgãos responsáveis pelo licenciamento impõem uma demanda que não respeita a produção da/o pequena/o produtor/a, preferindo beneficiar distribuidoras de alimentos maiores. Eduardo explica que a/o produtor/a focada/o em fornecer alimentos para a prefeitura precisa planejar e administrar muito bem grandes produções. Por esse motivo, as feiras livres acabam sendo a principal alternativa das/os produtoras/es familiares. “Sabemos que existem algumas políticas públicas. Eu já me informei que se eu produzir mais eu consigo vender para as creches e para a prefeitura, mas eu não participo ativamente porque me faltam produtos. E a demanda de consumo de produtos orgânicos, aqui em Bauru, é muito alta. As feiras livres consomem muitos produtos, tem muitos consumidores. E na feira a gente leva o que produz”, explica.
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As feiras e a preferência pelo produto orgânico
De acordo com Eduardo, as feiras parecem ser a opção preferida das/os produtoras/es familiares para vender seus produtos. A possibilidade de comercializá-los com maior liberdade na escolha das quantidades e variedades e o contato direto com os consumidores são as características que mais agradam as/os produtoras/es. Através desse contato pessoal, as/os feirantes aproveitam para se certificarem da qualidade e da procedência dos produtos.
Conforme dados do projeto Organics Brasil, desenvolvido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), o mercado de alimentos orgânicos cresce até 40% ao ano, chegando a movimentar mais de R$2,6 bilhões em 2015.
Segundo Eduardo, um diferencial é a certificação de Controle Social, através da qual as/os produtoras/es formalizam uma associação ou cooperativa com a garantia da qualidade orgânica na produção e autorização para comercializar os alimentos diretamente à/ao consumidor/a. A certificação ocorre através de uma relação de confiança. As/Os produtoras/es devem estar abertas/os para visitas das/os consumidoras/es e também de órgãos de fiscalização, para a verificação da produção quando preciso. Devem, também, relatar como se dão os controles internos e sociais sobre a produção e a comercialização. Para Eduardo, que expõe a sua Declaração de Cadastro de Produtor Vinculado a OCS na banca nas feiras, vale a pena poder provar às/aos suas/seus consumidoras/es a qualidade da sua produção.
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Reforma Agrária
Segundo dados do Censo Agropecuário Brasileiro de 2006, realizado pelo IBGE, apesar de 84,4% dos estabelecimentos agropecuários serem da agricultura familiar, a área ocupada por essa produção correspondia a apenas 80,25 milhões de hectares, 24,3% da área total ocupada por estabelecimentos rurais. Através da análise desses dados, percebe-se uma estrutura agrária ainda concentrada no país: os estabelecimentos não familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos estabelecimentos, ocupavam 75,9% da área ocupada.
Basicamente, o conceito de Reforma Agrária pode ser entendido como um conjunto de ações que buscam garantir o acesso à terra por todas as pessoas que não a possuam, mas que gostariam de cultivá-la.
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De uma forma mais ampla, não se trata apenas assentar as famílias, mas de assegurá-las uma vida digna, com condições de produzir e comercializar seus produtos. É necessário que a/o pequena/o produtor/a tenha acesso a orientação técnica, recursos para comprar os instrumentos de trabalho e um lugar para viver com acesso à água potável, energia elétrica, postos saúde e escolas.
Na opinião de Rozane, “é muito importante que existam políticas públicas que viabilizem a agricultura familiar, no sentido de oferecer mais condições à sua reprodução. Se não a valorizarmos, corremos o risco de aumentar ainda mais os contrastes sociais e de produzir alimentos apenas para exportação ou, cada vez mais, alimentos de pior qualidade do ponto de vista ambiental e de saúde pública”.
Já Nádia acredita que ”lamentavelmente nosso país ocupa um dos primeiros postos em nível mundial no que se refere à concentração da terra. Isso é flagrante sobretudo no norte, nordeste e centro-oeste do Brasil”. Ela explica que a concentração de terra está associada à falta de desenvolvimento, por ser uma forma de retenção de riquezas e oportunidades.
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As fotografias que ilustram essa reportagem foram tiradas em feiras livres na cidade de Bauru. Conheça as feiras e os produtos que os agricultores da sua região tem a oferecer!
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