A agricultura familiar regional no cenário político nacional

Bauru recebe investimento público e precisa lidar com suas próprias contradições


(Foto: Pixabay)

Texto*: Michel F. Amâncio e Victória Linard

No dia 20 de setembro, no município de Bauru, interior de São Paulo, a Delegacia Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário lançou o Plano Safra 2016/2017. O programa, que faz parte de uma política pública nacional, tem o objetivo de desenvolver a agricultura familiar regional, de forma a garantir o acesso a créditos mais baratos aos produtores rurais responsáveis pela alimentação da população brasileira.

Realizado no Obeid Plaza Hotel, o evento de inauguração do programa reuniu agricultores familiares, técnicos e engenheiros, além de autoridades do poder público regional, estadual e federal. O secretário municipal de agricultura, Chico Maia, esteve no evento como representante da Secretaria da Agricultura e Abastecimento de Bauru (Sagra). Chico acredita que, através de políticas públicas como o Plano Safra, é possível desenvolver estratégias de segurança alimentar e superação da fome, uma vez que a agricultura familiar produz alimentos para o campo e a cidade.

Através do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), serão destinados R$ 30 bilhões de crédito à agricultura familiar brasileira, além da oferta de seguro e assistência técnica para a agricultura familiar, apoio ao cooperativismo e à comercialização, e inclusão das mulheres e comunidades tradicionais do campo na cadeia produtiva. Para Chico Maia, o Pronaf serve como um estímulo a geração de renda e capacitação de mão-de-obra em âmbito regional. Ainda segundo o secretário, “é necessário garantir crédito mais barato para aqueles que produzem a comida que chega às mesas das famílias e para a produção orgânica e de base agroecológica. ”

A produção agroecológica citada pode ser entendida como a contraposição ao agronegócio que reproduz a lógica do grande capital dependente da monocultura, do latifúndio, da alta mecanização, da exploração do trabalhador rural e de insumos químicos. A agricultura familiar baseada em práticas agroecológicas busca conciliar produção e consumo conscientes, respeito ao meio-ambiente e comprometimento social, seguindo os preceitos básicos do desenvolvimento sustentável.

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Ao considerar a necessidade de relações sociais justas como uma das bases fundamentais da agricultura familiar e do desenvolvimento sustentável, o fenômeno de ocupação de terras em Bauru vem à tona. O movimento já é o maior da história de ocupações do município e conta com 720 famílias que buscam assentamentos para a agricultura familiar, em área urbana ou rural. As famílias compõem dois movimentos sociais que possuem objetivos semelhantes. O primeiro deles é a Frente Nacional de Luta (FNL), ocupando aproximadamente seis pontos da cidade, e o segundo é o Movimento Irmã Dorothy, que ocupa apenas um ponto urbano.

Tais movimentos sociais criticam de forma incisiva diversos pontos do Plano Safra, como o excesso de procedimentos burocráticos para se obter acesso aos benefícios do programa, além de apontarem para sua limitada abrangência na realidade do agricultor familiar local, que se mobiliza pelo direito à terra. Questionado sobre as possíveis lacunas do programa na região, Chico Maia alega que “a burocracia e reclamações persistem porque há uma série de requisitos, obrigações e garantias que precisam ser comprovadas pelos interessados no Pronaf. ”

Um dos principais requisitos para o acesso ao crédito mais barato é o registro de propriedade rural. Como as famílias ocupam espaços pertencentes ao município ou a posseiros, as chances de serem contempladas pelo programa são muito baixas. Entra em pauta, portanto, a questão da reforma agrária, que se baseia na função social da terra prevista na Constituição Federal de 1988.

O cenário político nacional, contudo, não se mostra favorável ao avanço de movimentos sociais pela reforma agrária. Chico lança mão da nota emitida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) no dia 25 de maio de 2016, contrária à extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e sua fusão com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, para destacar a falta de comprometimento do novo governo com a agricultura familiar e a agroecologia. “Sempre esperamos que as demandas [dos movimentos sociais] sejam atendidas. No entanto, sou realista quanto ao desinteresse do governo Temer em relação à agricultura familiar ”, afirma Chico Maia.

É certo que existem contradições entre o investimento público destinado à região de Bauru e as reais demandas que partem de um complexo fenômeno urbano recente. As consequências sociais, econômicas, políticas e ambientais do confronto de interesses estabelecido em Bauru deverão ser analisadas sob a égide do tempo, na qual o contexto nacional atual será explicado por conturbadas relações de poder.

Texto*: Michel F. Amâncio e Victória Linard

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