Cemitérios superlotados: transformar falecidos em árvores pode ser a solução

Cápsula orgânica propõe florestas-memória e pode solucionar a falta de espaço em cemitérios


Cemitério em Bauru (Foto: Marcos Cardinalli)

Muitas cidades do Brasil enfrentam a superlotação de cemitérios, que não possuem espaço para novas sepulturas. Em Regente Feijó e Álvares Machado, cidades do interior do estado de São Paulo, por exemplo, famílias que não possuem jazigos com espaços reservados correm o risco de não ter onde enterrar seus entes.

O problema da falta de espaço é recorrente. Em cidades pequenas, a situação é pior, já que há poucos cemitérios e, muitas vezes, não há espaço disponível para a criação de novos.

É necessário, também, um aprofundado estudo do local, pois a elevada quantidade de resíduos biológicos que penetram no subsolo contém altos índices de bactérias e vírus, podendo se transformar em foco de transmissão de doenças e de contaminação de áreas, incluindo lençóis freáticos.

Cemitério de Regente Feijó sofre com a superlotação (Foto: O Imparcial)

Como solução para a superlotação, as prefeituras têm encaminhado os falecidos para cidades vizinhas, o que dificulta a locomoção das famílias durante visitas e acarretam na lotação dos cemitérios destas cidades também.

Além disso, o modelo de cemitérios tradicionais recebe críticas por não ser sustentável e pela utilização de caixões fabricados a partir da madeira. Outro problema encontra-se na cremação, pois esse processo libera gases causadores do efeito estufa na atmosfera.

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Cápsula da vida

Como alternativa, dois designers italianos desenvolveram a The Capsula Mundi, uma cápsula orgânica e biodegradável que é capaz de transformar um corpo em decomposição em nutrientes para uma árvore, cuja espécie é selecionada por cada um ainda em vida.

Os idealizadores, Anna Citelli e Raoul Bretzel, explicam que o intuito é transformar cemitérios em florestas, onde cada árvore manterá viva a memória de alguém que se foi.

(Foto: Divulgação)

A cápsula é feita com plásticos derivados de materiais orgânicos e tem baixo impacto ambiental. O corpo é colocado dentro do “ovo” antes de se tornar rígido, no chamado Rigor mortis, ou então depois de passar esse efeito.

Segundo os fundadores, as árvores possuirão um sistema de GPS para localizar a árvore do seu ente.

O professor e apreciador do projeto, Gabriel Bueno, acredita que a Capsula Mundi propõe uma continuidade para vida. “O ser é material orgânico e se transforma em adubo. Porque vou ficar dentro de um cemitério sendo que posso servir para algo muito maior? Ele não tem nenhuma utilidade lá”, explica.

Entrevista com Anna Citelli

Em entrevista exclusiva, Anna Citelli, a idealizadora da Capsula Mundi, explica melhor sobre o projeto e sobre a problemática dos cemitérios superlotados. Confira:

Impacto: O que te motivou a criar a Capsula Mundi?

Anna – Somos dois designers e nos encontramos em 2001 na principal feira de móveis italianos, em Milão. Durante a exposição, começamos a pensar sobre o papel do design em nossa sociedade, longe da natureza e sobrecarregado com objetos para as necessidades da vida diária, com foco na juventude. Por outro lado, a morte é muitas vezes tratada como um tabu. A partir desta reflexão, decidimos trabalhar em um assunto desconfortável: o caixão. Nosso principal objetivo era mudar a abordagem da morte. Queríamos contribuir para uma mudança cultural, a fim de reequilibrar a nossa relação com essa transição inevitável.

Impacto: Você acredita que há resistência das pessoas ao projeto pelo fato dos cemitérios serem tradição?

Anna – Obviamente é uma grande mudança cultural, mas nós estamos surpresos por descobrir que tantas pessoas, desde o início do projeto, estão entusiasmadas com a Capsula. Eles adoram a ideia de existir uma ‘maneira verde’ de deixar este plano e estar de volta ao círculo da vida – a ideia de se tornar uma árvore.

Impacto: Aqui no Brasil nós temos problemas com cemitérios superlotados. Você vê o seu projeto como uma solução para isso?

Anna – Sim, ele é. Não precisamos de pedras, mas de árvores, para melhorar a nossa vida! O conceito da “floresta-memória” é verde e sustentável. Esse não é só um problema do Brasil, está presente especialmente nas grandes cidades, inclusive aqui em Paris.

Impacto: Anna, uma curiosidade: por que as pessoas seriam enterradas em posição fetal na Capsula Mundi?

Anna – A Capsula Mundi quer enfatizar que somos uma parte do ciclo de transformações da natureza e que a morte é apenas uma passagem de nossa vida. Por esta razão, decidimos usar para o nosso projeto três símbolos universais da vida: a árvore, o ovo e a posição fetal, mesma posição que começamos a nossa vida atual. Assim, nós estaremos prontos para contribuir para uma nova vida, uma árvore. Acreditamos que esses símbolos podem ajudar as pessoas a pensar de forma diferente e enfrentar essa mudança cultural, para o futuro do nosso planeta.

Anna Citelli e Raoul Bretzel, idealizadores do projeto (Foto: Divulgação)

Problemáticas

A Capsula Mundi ainda está em desenvolvimento, já que restrições legais e religiosas de muitos países proíbem esse tipo de sepultamento. Apesar do projeto receber apoio de muitos entusiastas, há barreiras para a implantação da Capsula Mundi.

Segundo o botânico Saulo Augusto Katz, do Departamento de Zoo-botânica de Bauru, um dos principais motivos que impedem o desenvolvimento de projetos como este são os impactos incertos na natureza.

Para Katz, é necessário um estudo aprofundado sobre os possíveis danos aos lençóis freáticos e diz ainda que o projeto demanda uma análise das áreas a serem utilizadas. “Se está faltando espaço para os cemitérios, não teria que ter espaço para essas árvores serem plantadas também?”, questiona.

Para saber mais sobre o projeto Capsula Mundi, acesse a página no Facebook e o canal no YouTube.

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