PL da Grilagem promove consequências ambientais

Saiba mais sobre o projeto de lei que ameaça milhões de hectares na Amazônia

O desmatamento na Amazônia tem crescido em um ritmo preocupante. (Foto: Marcelo Salazar/ISA)

Por Caio Machado

Desde março deste ano, a Medida Provisória (MP) 910/2019, que prevê a destinação de terras federais de até 2,5 mil hectares sem licitação aos que invadiram a área, foi extremamente criticada. Ela beneficiaria aqueles que praticam a grilagem – a ocupação ilegal de terras públicas por meio de documentos forjados, garantindo a posse de uma parte dessas terras.

A medida tinha o prazo de até 120 dias para ser aprovada ou rejeitada pelo Congresso Nacional. Após forte pressão popular, a MP perdeu sua eficácia, pois passou do prazo e foi retirada de pauta. Em meio à crise do novo coronavírus, o texto foi transformado no Projeto de Lei (PL) 2633/20, que foi posto em discussão no Congresso Nacional.

Para que o projeto seja aprovado e vire uma lei, é preciso passar por comissões na Câmara dos Deputados, por votação no Plenário e, por fim, pela sanção ou pelo veto do presidente da República. Apelidado como “PL da Grilagem”, poderá afetar o meio ambiente e as comunidades locais.

Se aprovado, o projeto de lei contribuirá para que mais áreas da Amazônia sejam desmatadas. (Foto: Victor Moriyama/Greenpeace)

Na teoria, esse projeto de lei trata de um assunto bastante complexo no Brasil: a regularização fundiária. O termo se refere ao conjunto de medidas jurídicas, ambientais e sociais adotadas para legalizar e dar o título de posse para pessoas que ocupam terras da União.

O governo afirma que a medida beneficiaria os agricultores familiares e fortaleceria a fiscalização e punição de desmatadores. Porém, os verdadeiros beneficiados seriam os invasores de terras públicas, os chamados “grileiros”, e não haveria a fiscalização necessária.

Em entrevista ao Impacto Ambiental, a jornalista da Deutsche Welle Brasil, Nádia Pontes, aponta que o PL evidencia uma falta grave de informação sobre a distribuição de terras no país: “não se sabe exatamente quem ocupa qual faixa de terra e o que essas partes demandam”.

A porta-voz do Greenpeace no Brasil, Luiza Lima, explica que a medida facilitará a obtenção de títulos de terras que, pela legislação atual, “são destinados a pequenas propriedades, para áreas públicas maiores e potencialmente mais recentemente invadidas”.

Assim, seria facilitada a legalização das terras ocupadas ilegalmente. Um dos principais pontos criticados por organizações ambientais é o projeto de lei permitir que áreas maiores dessas terras possam ser legalizadas, com base em autodeclarações, possibilitando a fraude de documentos que devem ser apresentados para garantir a posse.

Luiza Lima afirma que:

O governo passa a noção da impunidade, de que vale a pena invadir terras públicas hoje, mesmo que a lei atual não contemple invasões presentes, pois no futuro, pode ser feita nova modificação nos marcos temporais para contemplar novas invasões. 

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao lado do presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Jorge William/Agência O Globo)

A proposta feita pelo governo irá resultar no aumento do desmatamento na Amazônia. De acordo com estimativa do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, uma mudança dessas na lei ameaçaria, no mínimo, 19,6 milhões de hectares de áreas federais que ainda não possuem função definida na Amazônia, como a criação de parques nacionais, por exemplo.

O impacto da perda das áreas florestais pode ser enorme. Com menos árvores na Amazônia, o regime de chuvas no país é afetado, prejudicando a produção de energia hidrelétrica e as atividades agrícolas que garantem alimentos para as cidades. Outra consequência é a interferência no clima da região Sudeste.

Além disso, as populações que habitam as florestas, como indígenas e quilombolas, também são afetadas. Isso ocorre por conta dos grileiros, ao invadirem as terras, utilizarem a intimidação e a violência para expulsar os povos que já moravam ali. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostrou que em 2019 houve um aumento de invasões e que a violência no campo também não respeita a quarentena.

Segundo Nádia Pontes, a medida também prejudicará a demarcação e legalização das terras ocupadas pelas comunidades indígenas e quilombolas.

Ela explica:

Estima-se que menos de 10% das comunidades quilombolas no país têm seus territórios legalizados. Centenas de Terras Indígenas sofrem com a interrupção do processo de demarcação, o que desrespeita a Constituição. 

É importante mencionar que, com o aumento das invasões de terras, há maior risco dessas populações, especialmente as indígenas, contraírem a Covid-19. Com o aumento da taxa de contaminação, é provável que a taxa de mortalidade também cresça.

Tanto a natureza quando os povos que vivem no campo serão afetados. (Foto: Alex Pazuello/Prefeitura de Manaus/Agência Câmara de Notícias)

As leis atuais já possuem mecanismos suficientes para garantir que famílias e empreendedores rurais recebam o título de posse de suas terras, tornando o PL 2633 desnecessário. A titulação de imóveis de até 4 módulos fiscais – unidade de medida agrária variável em cada estado – é facilitada, contemplando 95% dos imóveis que esperam receber o título de posse pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Desse modo, a mudança serviria para beneficiar poucos.

A regularização fundiária é um assunto vital, merecendo ser discutido com a participação da população, a fim de que haja pluralidade de ideias e um consenso. Agora, durante uma pandemia, não é o momento ideal para passar a lei sem um aprofundamento da questão na sociedade.

Edição: Anna Araia

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