Atual Lei dos Agrotóxicos não agrada nem a gregos e nem a troianos

Propostas de mudanças precisam conciliar demandas agroambientais e agroalimentares


No Brasil, o consumo médio de agrotóxico por habitante no ano é cerca de cinco quilos. Dados: INCA – 2015 (Foto: Bárbara Costa)

Texto*: Bárbara Costa

O uso de agrotóxicos no Brasil não é um tema trivial, o país é o que mais consome no mundo e ainda aumenta a sua dependência em relação ao produto a cada ano. De acordo com Dossiê publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em 2015, nos últimos dez anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, enquanto o mercado nacional cresceu 190%. Com tamanho impacto na economia, saúde pública e meio ambiente, o uso dos agroquímicos é amparado pelas normativas do país.

A Lei dos Agrotóxicos (nº 7.802/1989) contempla assuntos como pesquisa, produção, comercialização, controle, registro, entre outros temas. Entretanto, a Lei, criada em 1989, parece não acompanhar o desenvolvimento da produção agrícola do país, mostrando-se defasada em relação às atuais demandas.
De acordo com a engenheira agrônoma e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Maria Leonor Assad, deveria haver uma maior preocupação com o sistema de registros: “Há no país mais de 400 Ingredientes Ativos de agrotóxicos autorizados, muitos dos quais tiveram seu registro realizado pela primeira vez há décadas. Registro de agrotóxico deve ter prazo de validade”. O estudo realizado pelo consórcio Bain & Company/Gas Energy, em 2014, aponta que as principais dificuldades enfrentadas pelo setor de agroquímicos estão inseridas no ambiente regulatório brasileiro. A pesquisa considera o atual processo de registro de agrotóxicos burocrático, lento, custoso e incerto.
Por conta desses entraves, diversos Projetos de Lei (PLs) já foram apresentados no Congresso. As propostas estão sendo discutidas por uma comissão especial da Câmara dos Deputados e o tema ainda será submetido à votação do plenário. Dentre os projetos, um dos mais impactantes é o PL 3.200/2015 de Covatti Filho (PP-RS). A proposta modifica totalmente a atual forma de atuação dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), da Saúde (MS) e do Meio Ambiente (MMA) quanto ao tema.

As mudanças em jogo

A primeira diferença é a nomenclatura dada aos agrotóxicos, Covatti Filho propõe o uso de “defensivos fitossanitários”. Questão já bastante polêmica devido ao debate entre a utilização de “agrotóxicos” e “defensivos agrícolas”, o PL parte para um uso ainda mais eufemístico sobre a toxicidade dos produtos em questão. Para a médica Neice Müller, o termo proposto não condiz com as pesquisas: “A lei atual define como agrotóxicos. A literatura científica chama de pesticidas (língua inglesa) e praguicidas (latino-americana)”.
Outra ideia do deputado é a criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito). Atualmente, para se obter o registro de um agrotóxico, uma mostra precisa passar pela avaliação de três órgãos do governo federal: MAPA, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), vinculado ao MMA, e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ligada ao MS. Isso significa que os três Ministérios possuem envolvimento paritário na questão dos agrotóxicos, no entanto, a proposta concentra as decisões apenas em um deles.
A CNTFito seria formada por 23 membros de diferentes áreas de conhecimento, cujas indicações seriam todas realizadas pelo MAPA. Para a professora Maria Leonor Assad, essa alteração está atrelada a vários prejuízos: “Com certeza isto é um retrocesso tanto em termos ambientais quanto com relação à saúde. O MAPA não é o único envolvido com o problema. E, historicamente, tem se revelado um interlocutor comprometido muitas vezes com o agronegócio”. Já Neice Müller acredita que essa não é a melhor forma para tornar os registros de agrotóxicos menos burocráticos: “Se querem agilizar os processos teriam que ampliar o grupo técnico da Anvisa e Ibama que é reduzidíssimo para um país deste tamanho e com tantas demandas”.
80% das propriedades maiores de 100 hectares usam agrotóxicos. As indústrias das máquinas de pulverização acompanham o mercado e lançam produtos dotados com mais tecnologia a cada ano. Dados: IBGE – 2006 (Foto: Bárbara Costa)

Ainda nesse sentido de tornar o processo de registros mais ágil, o PL determina o tempo máximo de 180 dias para a aprovação de um agrotóxico. Atualmente, esse andamento pode demorar cerca de quatro a sete anos, como informa a engenheira agrônoma e professora da UFSCar Patrícia Andrea Monquero. Para ela, a quantidade de membros efetivos da CNTFito não daria conta de todo o trabalho no período proposto: “A lista é grande e são muitas características para serem avaliadas. Como um membro desta comissão poderá avaliar em tão pouco tempo sendo que ele tem outras atribuições? Quantas análises terão que fazer por vez? Acho inviável”.
Covatti Filho justifica todas essas propostas a partir do argumento de que a Lei está defasada: “É inquestionável, portanto, que o atual modelo de execução e a aplicação da Lei nº 8.702, de 1989, está esgotado, não consegue responder à atual realidade e expectativas da sociedade”. Para a advogada e professora da USP (Universidade de São Paulo) Flávia Trentini, o desejo pela reforma da legislação depende muito dos interesses de cada setor. “No que tange a procedimentos mais rápidos e mais seguros, no sentindo agroalimentar e agroambiental, acho que vale a pena a atualização. As questões da ciência evoluem numa rapidez maior do que a legislação, então, nesse ponto de vista, a gente pode sim sofrer reformulações”, comenta.
Apesar da real necessidade de atualização da lei, o debate não pode se ater apenas à questão do registro de novos agrotóxicos. O conjunto de ações deve envolver também medidas para redução de seu consumo, o que, inclusive, está de acordo com recomendações dadas, nesse ano, pela ONU (Organização das Nações Unidas).
A missão não é nada fácil, fatores como o clima tropical do país e a própria vantagem econômica oferecida pelos agrotóxicos fazem com que os produtores sempre optem por essa medida. É o que aponta o engenheiro agrônomo e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Carlos Gilberto Raetano: “O largo espectro de ação, praticidade no uso, eficácia de controle e obtenção de resultados a curto prazo tornam o controle químico a tática de controle mais utilizada no tratamento fitossanitário”. 
Para a professora Patrícia Andrea Monquero, a situação exige uma intervenção do governo. Somente com uma maior participação do poder público é que seria possível um uso mais seguro e sustentável do agrotóxico: “O grande problema é a falta de assistência técnica para os médios e pequenos produtores rurais. Então, desde que o governo trabalhe com assistência técnica qualificada, fazendo com que chegue a todos os produtores, é possível sim diminuir o uso, pois usaremos corretamente”.

Texto*: Bárbara Costa


 
*Por ser um projeto de extensão oficial da Unesp, o Impacto Ambiental está aberto a publicações ocasionais de matérias colaborativas de não membros do projeto. Nesses casos, a matéria e seu conteúdo não passam pelo processo comum de discussão e elaboração na equipe, ficando sob total responsabilidade do autor.

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