Economia no prato: como as commodities agrícolas brasileiras alimentam o mundo?

Um dos maiores produtores agrícolas mundiais, o Brasil se destaca pela produção de alimentos matéria-prima

Um dos maiores produtores agrícolas mundiais, o Brasil se destaca pela produção de alimentos matéria-prima. Arte: Victória Roberta

Por Victória Roberta
Professora orientadora: Érika de Moraes

Esta reportagem foi elaborada para o Prêmio ABAG/RP de Jornalismo “José Hamilton Ribeiro”. A escolha pelo “Impacto Ambiental” veio por meio da participação da autora no projeto e a similaridade que ele possui com o tema “segurança alimentar”.

Em 2018, o Brasil conquistou a medalha de bronze no pódio dos países exportadores agrícolas, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. Grande parte dos produtos agrícolas são considerados commodities. Estes produtos primários são matéria-prima para outros e produzidos em larga escala podem ser armazenados em estoque sem que haja perdas significativas.

Commodity é uma palavra inglesa, traduzida como mercadoria. Existem algumas categorias que dividem as commodities de acordo com sua origem: agrícolas, ambientais, minerais e financeiras. Entre as principais commodities agrícolas nacionais estão a soja – em grão, farelo e óleo, as carnes bovina, suína e frango, e o açúcar. 

Além de alimentos primários de muitos países, as commodities também são conhecidas pelo seu desempenho no mercado financeiro como investimentos. O trabalho gerado pela produção dessas commodities também impacta a vida de várias pessoas de diversos segmentos da economia, como os agricultores e os comerciantes. 
O agronegócio é um dos pilares da economia brasileira. Em 2019, a soma de bens gerados chegou a marca de R$ 1,55 trilhão, correspondendo a 21% do PIB brasileiro. Entre os principais produtos está a soja: responsável por 25% dos lucros do setor.

Para onde vai todo esse alimento?

Soja, trigo, arroz, feijão e milho estão entre as commodities agrícolas brasileiras. Foto: Unsplash

Entre os principais destinos destes alimentos estão China, Estados Unidos, Holanda, Japão, Irã. A trajetória é feita baseada nas necessidades dos países consumidores e nas relações exteriores com o Brasil. Quando há uma alta demanda por determinada commodity, o seu preço tende a aumentar, funcionando de acordo com a lei da oferta e procura. 

Caso haja uma crise e uma baixa procura por algum alimento, o Brasil pode ser afetado economicamente. Por exemplo: quando a cotação do Boi Gordo aumenta de forma global, provavelmente o preço também será alto internamente, o que leva muitos produtores optarem pela exportação, lucrando mais do que a venda no comércio local.

Segundo a professora Andreia Adami, pesquisadora de macroeconomia do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) do Esalq/USP, os alimentos que são exportados e os que permanecem no Brasil, podem ser os mesmos. Apenas alterando em algumas questões mais específicas do país importador, como normas sanitárias ou técnicas no caso das carnes. 

China e Brasil: a grande exportação de soja

A China é o principal parceiro comercial do Brasil, tendo a soja como o principal produto consumido pelo país asiático. Em 2019, o Brasil exportou cerca de U$60 bilhões, 33% deste total representa a soja triturada. Um dos motivos para o país importar esta quantidade de soja é suprir as necessidades internas, destinando grande parte para a ração animal. 

Na alimentação humana, a soja é matéria-prima de alimentos como o tofu, molhos como o shoyu, e o missô. Além disso, o grão pode ser consumido em sua forma comum. Outras commodities compradas pelos chineses são a carne de aves e o minério de ferro. 

Inflação e a pandemia: cesta básica a preço de ouro

Ao contrário do preço sentido nos bolsos dos brasileiros, a inflação alcançou um dos seus menores níveis no Brasil. A taxa oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está na média de 2%, abaixo da meta oficial, 4%. Porém, o número não reflete o aumento de custos durante a pandemia, principalmente para quem ganha menos.

A ideia de um possível desabastecimento e a compra imediata de itens básicos como alimentos e produtos de higiene deu início a uma insegurança de aquisição de mercadorias. Outro fator que pressionou o aumento do consumo foi o isolamento que levou famílias a aumentar o nível de comida comprada. Famílias que possuem uma renda maior, tem mais acesso a uma alimentação diversificada. Já os mais pobres, com a limitada gama de opções, a pressão no bolso acabou sendo maior.

O índice que afere com precisão o aumento dos preços é o Índice de Preços no Consumidor (INPC), que mede a inflação dos mais pobres, porque a cesta básica de consumo é composta pelos itens mais consumidos por famílias que recebem até cinco salários mínimos.

O arroz se destacou por conta do seu aumento de preço nos últimos meses. Foto: Pierre Bamin – Unsplash

Um alimento que tem chamado atenção pela alta é o arroz. Presente diariamente nas mesas dos brasileiros, o arroz se tornou um verdadeiro item de luxo. Entre os componentes da cesta básica, o arroz subiu cerca de 19% entre janeiro e agosto deste ano, demonstrou o relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). 

Os motivos do aumento são: o aumento do consumo do alimento não perecível; a alta das exportações brasileiras, resultado da desvalorização do real frente ao dólar; período entressafra que nessa época do ano tende a elevar os preços. 
Na tentativa de minimizar o impacto do cereal na alimentação brasileira e aumentar a oferta do alimento no mercado interno, o governo brasileiro zerou a alíquota do imposto de importação para o arroz em casca, até 31 de dezembro.

Para Ciro Antonio Rosolem, professor do Departamento de Produção Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, apesar da atual crise, as pessoas mais pobres têm o acesso maior aos alimentos quando comparado a 2000. 

No final do século passado, um salário mínimo comprava 1,28 cestas básicas, e hoje compra aproximadamente 2,5 dependendo da região do país. Ciro destaca o avanço na agricultura nacional para suprir as necessidades nacionais e reduzir custos, competindo a pé de igualdade com muitos países.

A agricultura tem sido extremamente eficiente. O desenvolvimento tecnológico e a aplicação de técnicas como adubação adequada, controle racional de pragas e doenças, uso de ferramentas transgênicas, entre outros, permite a redução de custo do alimento no Brasil. 

 

(In)segurança alimentar: as incertezas da fome  

A diversidade de alimentos é fundamental para uma vida saudável. Foto: Unsplash

A pandemia do coronavírus acentuou as ameaças da fome na vida dos brasileiros. A triste realidade afetou a dinâmica de muitas famílias. A Segurança Alimentar, é definida pela garantia do acesso intermitente à quantidade e qualidade necessários para a vivência, assegurando a saúde e bem estar dos cidadãos. 

Segundo o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2020” (State of Food Security and Nutrition – SOFI), a insegurança alimentar nos níveis moderado e agudo aumentou em 13% entre os anos de 2016 e 2019. Simultaneamente, o número de pessoas consideradas obesas atingiu a marca de 2,3 bilhões segundo a Organização Mundial da Saúde. Demonstrando que não basta só comer, é preciso comer bem.

A ONG Banco de Alimentos fundada em 1998 pela economista Luciana Chinaglia Quintão com a proposta de fazer a ponte entre lugares onde sobra e falta comida. A organização recolhe alimentos que já não possuem valor para o comércio, mas que se mantém em condições de consumo e os transportam para onde é necessário. Ao invés de descartar alimentos que não foram vendidos, a doação dos excedentes alimenta milhares de pessoas que os recebem através de instituições parceiras do projeto.

Em entrevista, Luciana contou que se deparou com a desigualdade muito cedo. Carioca, nascida em Ipanema e moradora da Gávea, observava diariamente as diferenças entre o bairro e a Favela da Rocinha. Inconformada, sua ideia é de ajudar o coletivo e tornar o Brasil um país sem fome. 

Em seu livro Inteligência Social: a perspectiva de um mundo sem fome(s), Luciana aborda temas para além de saciar a fome de comida, mas, o combate a tantas fomes do mundo. Entre os exemplos comentados, a economista ressaltou como é árdua a falta de alimentação para tantas famílias em um país que é o celeiro do mundo. A manutenção de um ciclo sustentável, oferecendo comida de qualidade a quem necessita, impacta diretamente na diminuição do acúmulo de lixo orgânico.
Equipe da ONG Banco de Alimentos. Foto: Luciana C. Quintão
A ONG possui entre os seus pilares o comprometimento com a Educação Nutricional (juntamente com a Colheita Urbana e a Conscientização) oferecendo ações educativas de qualidade nutricional, ressaltando a importância de comer bem e ensinando o devido cuidado na preparação dos alimentos. Entre as ações educativas, estão presentes a parceria com o Centro Universitário São Camilo que oferece a oportunidade de estágio dentro da organização. 
Centro de distribuição. Foto: ONG Banco de Alimentos
Durante a pandemia do coronavírus as doações para a ONG cresceram de forma inimaginável. O aumento das doações foi despertado na sociedade civil, que respondeu positivamente a este tempo de incertezas. A instituição recebeu metade dos alimentos doados em 22 anos. Luciana relembra a importância da colaboração de cidadãos com o projeto, para que após a pandemia, os mais carentes não caiam no esquecimento. 
Ação promovida pela ONG Banco de Alimento. Foto: Luciana C. Quintão
No dia 23 de junho de 2020, a publicação da Lei 14.016 de 2020 permitiu que restaurantes e instituições com excedentes alimentares em boas condições para o consumo pudesse doá-los com menor burocracia para pessoas em situação de vulnerabilidade social e nutricional. Luciana comemora, já que agora mais pessoas poderão colaborar com o projeto.

As commodities, de fato, estão mais presentes em nossas vidas do que imaginamos. A produção afeta os mais diversos níveis da economia e impactam a realidade de muitas pessoas diariamente. Essenciais para a alimentação, elas têm se tornado cada vez mais consumidas. O Brasil, como celeiro, deve produzir e alimentar sua população, para que todos exerçam o direito de se alimentar bem, distantes das incertezas.

Edição: Nayara Delle Dono

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